TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
560 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em setores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82 (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infração pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas. Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social”. […] Independentemente de qual seja a melhor opção legislativa para a punição do concurso de contraordenações, é seguro que as razões que justificam a solução do cúmulo jurídico em Direito Penal não são transponíveis qua tale para o direito de mera ordenação social. A necessidade de conter o limite das penas de prisão dentro de parâmetros de possibilidade de execução física das mesmas, de humanidade, de respeito pelas próprias opções do legislador quanto às penas máximas e à ideia de ressocialização justificam o cúmulo jurídico no sistema penal mas já não fazem qualquer sentido em caso de concurso de contraordenações sancionadas apenas com montantes pecuniários. Por outro lado, o referente da culpa jurídico-penal que permite agregar os vários factos cometidos entre si para efeito de cúmulo jurídico não surge com a mesma importância estrutural no ilícito de mera ordenação social”. Essa mesma orientação jurisprudencial foi recentemente confirmada no Acórdão n.º 110/12 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , em que se escreveu que “[…] as diferenças existentes entre a ilicitude de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social obstam a que se proceda a uma simples transposição, sem mais, dos princípios constitucionais aplicáveis em matéria de definição de penas criminais para o espaço sancionatório do ilícito de mera ordenação social. Como se sublinha no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/08, citando Figueiredo Dias, exis- tem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção, sendo que a diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade”. E por isso, se o direito das contraordenações não deixa de ser um direito sancionatório de caráter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica «se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à perso- nalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização» ( Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 144-152)”. Já em momento anterior, no Acórdão n.º 85/12 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , com assertividade, o Tribunal afirmara que “[o] princípio da culpa postula, por um lado, a exigência de uma culpa concreta como pressuposto necessário de aplicação de qualquer pena, e, por outro, a proibição da aplicação de penas que excedam, no seu quantum , a medida da culpa. Mas é sabido que o princípio jurídico- -constitucional da culpa (fundado na dignidade da pessoa humana) não vale, como parâmetro, no domínio das contraordenações”. À exceção do aresto indicado em último lugar, que, de modo categórico, nega qualquer valência do princípio da culpa no domínio contraordenacional, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o princípio da culpa se impõe também como limite à liberdade de conformação do legislador do ilícito
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