TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Com efeito, ainda que se desse por assente que a responsabilidade contida no artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho (2009) é de natureza contraordenacional, jamais essa qualificação, efetuada no plano do direito infraconstitucional, se revelaria só por si determinante para efeitos do juízo sobre a sua conformidade constitucional, pois não decorre de todo em todo da jurisprudência constitucional o entendimento segundo o qual aí onde houver responsabilidade contraordenacional haverá violação da Constituição, designadamente no que se refere ao princípio da proibição de transmissão da respon- sabilidade penal. V – O que em tal entendimento vai implicado é que o núcleo da fundamentação do juízo – seja este de não inconstitucionalidade ou de inconstitucionalidade – há-de estar, não no direito infraconstitucio- nal ( in casu , na natureza da responsabilidade), mas na Constituição. VI – A Constituição, ao determinar, no n.º 3 do artigo 30.º, que «[a] responsabilidade penal é insuscetível de transmissão», vem estabelecer um princípio que define a ordem constitucional da República pelo que, ainda que diretamente incidente no domínio do direito penal, a ele se não encontra confinado; qualquer outro entendimento – que, partindo da qualificação da norma contida naquele preceito como regra, se determinasse pela exclusão do domínio contraordenacional do seu âmbito de aplica- ção – estaria em contradição com o sistema normativo da Constituição no que se refere à extensão ao domínio contraordenacional dos princípios constitucionais com relevo em matéria penal, tal como desenvolvida, ainda que de forma fragmentária, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional. VII – Com efeito, resulta das principais decisões do Tribunal Constitucional em que se pôs o problema da valência de determinados princípios constitucionais com relevo em matéria penal no domínio contraordenacional (nomeadamente quanto aos princípios da legalidade e da tipicidade, da culpa, do non bis in idem , da aplicação retroactiva da lei penal com conteúdo mais favorável, da proibição dos efeitos automáticos das penas, da proibição de transmissão da responsabilidade penal), que embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”; também quanto às garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao recurso, a justiça constitucional tem reconhecido um maior poder de conformação do legislador na ordenação do processo contraordenacional, bem no que se refere aos direitos ao silêncio e à não autoincriminação. VIII– Do princípio da unidade da Constituição decorre que a resolução da questão de constitucionalidade com a qual o Tribunal Constitucional é confrontado não fique dependente de uma leitura isolada de um determinado preceito constitucional – in casu , o artigo 30.º, n.º 3 –, antes se impondo uma interpretação integrada da Constituição enquanto sistema normativo unitário; assim, se não restam dúvidas de que as normas constitucionais com relevo penal têm a natureza e estrutura de princípios, também não restam dúvidas de que tais princípios valerão para o domínio contra-ordenacional, não “com o mesmo rigor” ou com o mesmo grau de exigência” com que valem para o domínio criminal, mas apenas na sua “ideia essencial”. IX – Uma das características dos princípios é a sua capacidade de acomodação ou de adaptação face a outros que com eles conflituam, a qual é feita, no domínio do direito penal, tendo em conta o particular peso dos bens jurídicos individuais que as normas que consagram os primeiros tutelam; diversamente se passarão as coisas no domínio contra-ordenacional, precisamente por aí valerem com “menos rigor” ou com “menos intensidade” os princípios que integram as normas da Constituição com relevo penal.

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