TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
537 acórdão n.º 180/14 dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor, que serve como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas (Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 151; “O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social“ , in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários p. 331). Por outro lado, como a doutrina e a jurisprudência constitucional têm sublinhado, não é o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, acrescentado pela revisão constitucional de 1989 – que garante os direitos de audiência e defesa em processos de contraordenação e demais processos sancionatórios –, que permite esten- der ao ilícito contraordenacional a generalidade do regime substantivo em matéria penal. Essa disposição releva apenas no plano adjetivo e significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção con- traordenacional ou administrativa sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das impu- tações que lhe são feitas (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 363, e Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04). Tem-se entendido, de todo o modo, que os princípios da constituição criminal, e especificamente os constantes do artigo 29.º da Constituição, apesar de se restringirem pelo seu teor textual ao direito crimi- nal propriamente dito (crimes e respetivas sanções), devem no essencial valer, por analogia, para todos os domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social. Assim se compreendendo que o RGCO consagre o princípio da legalidade (artigo 2.º), o princípio da não retroatividade (artigo 3.º, n.º 1) e o princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável ao arguido (artigo 3.º, n.º 2) (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 227/92, 574/95 e 160/04, na linha do entendimento também sufragado por Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, p. 498). No entanto, mesmo nesta perspetiva, nada permite concluir, dada a diferença de regimes que regem os dois géneros de ilícitos, que a intransmissibilidade de um juízo hipotético ou definitivo de censura ética, consubstanciado numa acusação ou condenação penal, tenha de implicar, por analogia ou identidade de razão, a intransmissibilidade de uma acusação ou condenação por desrespeito de normas de ordenação admi- nistrativa que não possuem a mesma ressonância ética (cfr., neste sentido, os citados Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04). 4. Poderia dizer-se, ainda, que a responsabilidade solidária aqui prevista não depende de qualquer com- portamento culposo por parte do administrador ou gerente e decorre apenas da imputação do facto à pessoa coletiva – o que pode implicar uma violação do princípio da culpa, como também se invoca na decisão recorrida – e, por outro lado, pode pôr em causa o princípio da proporcionalidade das sanções, na medida em que a coima é aplicada em função da situação económica e de outras circunstâncias apenas atinentes ao autor da infração, que não se transmitem necessariamente ao responsável solidário. Como já se fez notar, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais, para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social, não podendo invocar-se, por isso, para essa categoria de infrações, um conceito de culpa equivalente ao exigível para a imposição de uma sanção criminal (cfr. o citado Acórdão n.º 574/95). Por outro lado, o que está em causa, na previsão do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, é a solidariedade quanto ao pagamento da coima e não a solidariedade quanto à infração, o que revela que se pretende apenas instituir uma garantia de satisfação da sanção pecuniária contra os riscos inerentes ao pró- prio funcionamento das pessoas coletivas (João Soares Ribeiro, Análise do Novo Regime Geral das Contraorde- nações Laborais, in Questões Laborais, Ano VII, 2000, p. 20). Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das coimas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situa- ção de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu próprio a satisfação do crédito. O recurso a um princípio civilístico de solidariedade passiva, para esse efeito – que nunca poderia justi- ficar a transferência de uma responsabilidade penal –, não deixa de ser uma medida compreensível no plano de política legislativa e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção contraordenacional. Funciona
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