TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

536 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como admite o n.º 7 do artigo 8.º –, configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que res- peita a uma outra pessoa jurídica. E, nestes termos, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. Tendo chegado a essa solução, ficou prejudicada a análise da violação do princípio da culpa e da propor- cionalidade como parâmetros de constitucionalidade da norma em causa, que só se justificaria se houvesse que apurar se os limites e o tipo de sanção imposta por via da regra do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT se mos- travam conformes com os princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade e da adequação. 3. O caso dos autos não se reconduz a nenhuma dessas outras situações analisadas na anterior juris- prudência. Por um lado, não está em causa uma responsabilidade subsidiária, mas uma responsabilidade solidária; por outro lado, a responsabilidade solidária não está associada à colaboração dolosa do gerente na prática da infração, mas resulta diretamente da prática da infração imputável à pessoa coletiva; e, além disso, a responsabilidade solidária prevista no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho opera apenas no domínio das contraordenações, e não já também no âmbito das infrações de natureza penal, como ocorre em relação à norma do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT. Não se verificando a possibilidade de o gerente ser punido a título individual em cumulação com a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da coima, não é invocável, no caso, o princípio ne bis in idem , pelo que a questão que, num primeiro momento, cabe dilucidar é a de saber se a responsabilidade solidária do gerente pelo pagamento de coimas aplicadas à pessoa coletiva, em matéria contraordenacional, viola o princípio da não transmissibilidade das sanções como princípio constitucional extraível do disposto no artigo 30.º, n.º 3, que comina a insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade penal. Quanto a este ponto, importa antes de mais ter em consideração que as diferenças existentes entre o ilícito de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social impede que se possa efetuar uma estrita transposição das normas e princípios constitucionais em matéria penal para o domínio do direito contraor- denacional. Como começou por se afirmar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 231/79, de 24 de julho, que introdu- ziu o ilícito de mera ordenação social na ordem jurídica portuguesa, «hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação “é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são direta- mente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal” [...]. Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão preventiva ou sancionatória, nem sequer a pena de multa ou qualquer outra que pressuponha a expiação da censura ético pessoal que aqui não intervém. A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridade administrativa, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade». Admite-se por isso uma variação do grau de vinculação aos princípios do direito criminal e uma autonomia relativa do direito das contraordenações em matérias como as do âmbito de vigência da lei, da responsabilização das pessoas coletivas, da culpa, do erro, da autoria e do concurso (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, p. 150). No que se refere à culpa, embora o artigo 1.º do Regime Geral das Contraor- denações caracterize a contraordenação como «o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima», não pode falar-se numa culpa em sentido jurídico-penal, baseada numa censura ética,

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