TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

53 acórdão n.º 55/14 Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 359, na linha de Maria Lúcia Amaral, “Questões Regionais”, in Estudos de Direito Regional, Lisboa 1997, pp. 290-291)». Finalizando, o Tribunal Constitucional dá por «assente que não se pode excluir, dadas as circunstâncias financeiras e macroeconómicas anteriormente descritas, que a Assembleia da República, enquanto órgão de soberania democraticamente representativo do Estado no seu todo, tome imperativamente medidas, de âmbito nacional, com vista à contenção global da despesa orçamental dos diversos subsetores. Poderá certa- mente fazê-lo por força da sua competência legislativa genérica [artigo 161.º, alínea c) , da Constituição]. E poderá ainda fazer prevalecer imperativamente as suas medidas em todo o território nacional, em particular quando se possa considerar que tais medidas consubstanciam parte relevante de um desígnio nacional global, nomeadamente quando se possa dizer que as medidas tomadas pelo legislador parlamentar visam, em con- junto articulado com outras, provocar efeitos de escala nacional e de repercussão internacional prevenindo assim os prejuízos (ou o aumento dos prejuízos) associados ao défice e à dívida pública excessivos. Nesse sentido, o legislador poderá estabelecer medidas orçamentais a vigorar imperativa e soberanamente para todo o território nacional, em vista da sua mais lograda eficácia, segundo princípios de “solidariedade” e de “unidade” (artigo 225.º, n. os 2 e 3, e artigo 6.º, ambos da Constituição)». O entendimento jurisprudencial exposto é o único capaz de impedir que o objetivo de redução da des- pesa pública, levado a cabo pelos órgãos de soberania, seja esvaziado pelo exercício da competência legislativa das Regiões Autónomas. De facto, por um lado, impõe-se garantir que medidas legislativas adotadas pela Assembleia da Repú- blica, ao abrigo da sua competência legislativa genérica (artigo 161.º da Constituição), e, por isso, aplicáveis a todo o território nacional, não sejam comprometidas por regimes especiais emanados pelos legisladores regionais, em nome de interesses políticos conjunturais ou parcelares. Por outro lado, impõe-se salvaguardar o respeito por uma lei geral, restritiva do direito à retribuição do trabalho [previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição], e, nessa medida, abarcada pela reserva relativa da Assembleia da República, por respeitar a direitos fundamentais de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias [artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. Em síntese, não se interferindo positivamente com o exercício de poderes legislativos regionais, impondo- -se-lhes qualquer obrigação de facere, confrontam-se esses poderes com uma obrigação negativa de respeito por opções legislativas fundamentais do legislador nacional, que incorporam a defesa de valores constitucio- nais tão importantes como a independência do País e a recuperação dos poderes normais de governação por parte dos órgãos nacionais democraticamente eleitos, em face dos credores internacionais. Acentua-se que a unidade do Estado é constitucionalmente configurada, no artigo 6.º da Constituição, como um princípio jurídico fundamental, não se esgotando nas regras que fixam reservas expressas de com- petência legislativa da Assembleia da República e do Governo. Acresce que a jurisprudência analisada, constante do Acórdão n.º 613/11, é a única que faz jus à ideia de que quanto mais pesados são os sacrifícios exigidos aos cidadãos, no combate à crise financeira, maiores têm que ser também as exigências de equidade na repartição desses sacrifícios. Nesse contexto, todas as diferen- ciações de tratamento têm de ser rigorosamente escrutinadas, de acordo com a procura de um fundamento material justificante. Haverá que considerar, no caso vertente, como adverte o Tribunal Constitucional, no seu recente Acórdão n.º 793/13, “a exigência de unidade axiológico-normativa do regime jurídico aplicá- vel a todos os trabalhadores em funções públicas, independentemente da concreta Administração a que os mesmos se encontrem vinculados (cfr. o artigo 269.º da Constituição). Tal unidade é, de resto, simétrica da comunidade de fins e de princípios constitucionalmente previstos para a Administração Pública (cfr. o artigo 266.º da Constituição)”. A reserva de competência soberana da Assembleia da República é indissociável do princípio da solidarie- dade nacional, que se manifesta de forma recíproca nas relações entre o Estado e as Regiões Autónomas, de modo a reforçar os “laços de solidariedade entre todos os portugueses” (n.º 2 do artigo 225.º da Constituição).

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