TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Normas jurídicas (ou interpretações normativas) conducentes, na prática, à inibição do recurso de interessados aos tribunais, por causa da imposição de um volume de custas desproporcionado em face dos benefícios concretos que eles pretendam obter, hão de considerar-se materialmente inconstitucionais. A disposição (moderadora) que consta do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas, a que já nos referimos, entronca, na nossa ótica, nesta filosofia de razoabilidade. A especificidade concreta do caso pode, na hipótese, justificar que as custas (a taxa de justiça) não fiquem na precisa dependência do valor do procedimento adjetivo prosseguido; as tarefas despendidas e os resultados processuais podem estar desfasados do exacerbado valor que se lhe haja atribuído. Dito isto; e reportando à hipótese concreta dos autos. A elaboração do ato de contagem, no que ao incidente (imputado à apelante) concerne, em obediência ao seg- mento decisório produzido, sustentou-se no artigo 14.º, n.º 1, alínea n) , do CCJ; e no que à instância de recurso respeita (imputado também à apelante), no artigo 18.º, n.º 2, do mesmo diploma. De seu lado, o procedimento cautelar (imputado à requerente que o suscitou) foi contado com base no mesmo artigo 14.º, n.º 1, alínea n) (neste particular, o exatamente aplicável). Os valores encontrados – e antes mencionados – impressionam. Superior a 86 mil euros no caso da requerente da providência! Mas principalmente o da apelante B.CRL, superior a 86 mil euros pelo incidente (!) e quase a atingir os 91 mil e setecentos euros pelo recurso! Em suma, valores desfasados da realidade do processado. Na hipótese do incidente, limitando-se à arguição de uma exceção dilatória, a que o tribunal a quo convidou responder, e com o desfecho em decisão pouco maior a uma (simples) página de texto (fls. 446 a 447); sendo por- ventura este o segmento mais passível de impressionar, já que, como sublinhámos, até estamos convictos de que ali não houvera sequer assunto incidental! Semelhantemente a instância recursória em causa; sem qualquer tipo de perturbação ou perplexidade, de tra- mitação linear e simples; mas a que, pese embora, fica a corresponder um encargo superior a 91 mil euros! Por fim, a própria instância cautelar, em si mesma, e que, desta ótica de conformidade constitucional, não pode ser desligada; pois mal se compreenderia que o tribunal ad quem , considerando inconstitucional certa interpretação normativa, a fizesse desaplicar numa certa secção do processo (a imputada à apelante); mas deixando-a incólume em outra secção do mesmo processo (a referente à requerente da providência). É que, aí também, a sequência dos atos (cautelares) não permite refletir a razoabilidade, acriticamente emergente do consolidado valor dos nove milhões de euros, de um volume de custas superior aos 86 mil euros efetivamente contados. São valores elevados, desrazoáveis e fora do alcance do cidadão (ou empresa) médio(a) para um concreto serviço (de justiça) do tipo do prestado; e que, a subsistir, razoavelmente se mostravam potenciadores de uma desmotivação de acesso aos meios jurisdicionais disponíveis, em moldes, do nosso ponto de vista, insustentáveis à luz do (imperativo) enquadramento constitucional. Em suma; o que concluímos é que as normas dos artigos 14.º, n.º 1, alínea n) , e 18.º, n.º 2, do Código das Custas, por referência à tabela do anexo I ao código, na interpretação segundo a qual, num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, fazendo assim ascender a conta de custas, do proce- dimento em 86 388 € , do incidente em 86 304 € e do recurso em 91 698 € , padecem de inconstitucionalidade material por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). De outro lado; que a conformidade constitucional dessas normas apenas se atinge na medida em que, em hipóteses desse tipo, seja permitido ao tribunal fixar um limite do volume daquela taxa (e portanto das custas), fazendo-o ajustar à tipologia do caso e às características adjetivas concretas; e de forma a assim o comprimir a aceitáveis proporções. Como é bom de ver, não estamos longe da filosofia de moderação que com toda a certeza presidiu ao espírito da feitura do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas. Fora, contudo, como dissemos, da sua exata fatispecie temporal.
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