TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
52 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «medida legislativa que almeja dar uma resposta institucionalmente abrangente a um problema de emergên- cia orçamental e financeira de amplitude nacional e que no entender do legislador parlamentar “enquanto órgão democrático representativo do Estado unitário” só é suscetível de ser combatido com base em medidas de âmbito nacional. Posição esta perfeitamente compreensível, porquanto o comportamento dos mercados financeiros, no que respeita à concessão de crédito e à fixação das taxas de juros, depende da confiança que estes depositam na capacidade dos Estados e das entidades públicas com ele financeiramente relacionadas pagarem pontualmente as suas dívidas no momento do seu vencimento. Ora tal confiança assenta, desde logo, na credibilidade financeira que os Estados demonstram não apenas indiretamente por via da competi- tividade das suas economias, mas também, diretamente, por via da redução do seu défice público». Retornando à doutrina expendida no Acórdão n.º 567/04, o Tribunal Constitucional afirmou, depois, que «as medidas de redução remuneratória se contam no quadro de um conjunto mais vasto de medidas de redução da despesa e do défice públicos que visam fazer face à existência de “sérios riscos com projeção na economia e nas finanças do todo nacional, como ser[á] o caso de aumento das taxas de juro do mercado ou de elevada repercussão nos compromissos internacionais assumidos pelo Estado no sentido de diminuir os défices orçamentais e o peso da dívida pública face ao PIB”». O Tribunal salienta ainda que «a sustentabilidade das contas públicas, com a correspondente redução do défice e o controlo da dívida, é algo que, no entender justificável do legislador parlamentar, só poderá ser eficazmente garantido se for feito, não apenas ao nível do Estado, mas também, articuladamente, ao nível das entidades públicas que estão, de uma forma ou de outra, financeiramente relacionadas com esse mesmo Estado. É algo que só pode ser eficazmente levado a cabo num quadro de “unidade nacional” e de “solidariedade entre todos os portugueses” e através de medidas universalmente assumidas enquanto atos de “soberania do Estado” legitimados pela sua própria subsistência financeira bem como da de toda a economia nacional (cfr. artigo 225.º, n. os 2 e 3, da Constituição). Deste modo, será de considerar constitucionalmente legítimo que o poder legislativo soberano do Estado assuma que as medidas exigidas por uma urgente con- solidação das contas públicas não devam ser tomadas isolada e descontextualizadamente apenas em partes do território nacional ou valendo apenas para parte dos cidadãos.” Face às eventuais objeções que esta jurisprudência poderia desencadear – em especial devido ao desapa- recimento, com a revisão de 2004, da categoria das leis gerais da República como parâmetro de validade da legislação regional – o Tribunal afirma que «não é sustentável “à luz dos fundamentos, finalidades e limites da autonomia regional enunciados nomeadamente no artigo 225.º da atual Constituição” a ideia de que nunca, e em circunstância alguma, possa haver medidas legislativas que muito embora não estejam textual- mente no domínio da reserva de competência da Assembleia da República sejam, por motivos de relevante interesse nacional, tomadas imperativamente para todo o território nacional. É nesta linha que o Tribunal tem admitido a existência de matérias que por sua natureza devem ficar reservadas aos órgãos de soberania, isto é, que constituem uma reserva de competência legislativa do Estado ou, se se preferir, da República». De seguida, o Tribunal lembra que: «Como ainda atualmente afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra 2010, p. 661: “Matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania são, afinal, a reserva de competência legislativa do Estado, compreensivelmente furtada à intervenção regional. Integram-na desde logo, explicitamente, as que constituem a competência própria da AR, recortada nos artigos 161.º,164.º e 165.º […]. Mas esta reserva da República não pode limitar-se a estas matérias devendo abranger por inerência outras matérias que não podem, pela sua natureza eminentemente nacional, ser reguladas senão por órgãos legislativos do Estado”. E «mesmo quem tenha entendimento menos consonante, com o citado, não deixa, todavia, de reconhecer a possibilidade de “limites implícitos à competência legislativa regional” e a possibilidade de uma “violação autó- noma dos princípios da soberania e da unidade política do Estado” (Rui Medeiros, anotação ao artigo 228.º, in
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