TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

512 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal – incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal –, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58.º e 59.º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária. 3. Sendo admissível, em tese geral, a intromissão na esfera de privacidade do requerente do procedi- mento tributário – particularmente no que se refere aos respetivos administradores ou gerentes –, por se tratar de procedimento diretamente dirigido à produção de prova relativa ao valor patrimonial tributável, o que interessa ponderar é se o regime de derrogação do sigilo bancário previsto no n.º 6 do artigo 129.º satis- faz as exigências garantísticas do procedimento e do processo administrativo (tomando como assente que o direito ao processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição se deve considerar extensivo ao próprio procedimento). Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º Vol., p. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96). Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucio- nalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstácu- los que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproprocionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra, 2003, p. 839, e ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 122/02 e 403/02). No caso vertente – recorde-se –, houve lugar a uma correção oficiosa do valor da transmissão de bem imóvel nos termos previstos no artigo 58.º-A do CIRC por ter sido detetado que o valor constante do con- trato era inferior ao valor tributário do imóvel. A lei permite nessa circunstância que o interessado faça prova, através do procedimento especial previsto no artigo 129.º do CIRC, do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da reque- rente e dos seus administradores ou gerentes. O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58.º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio. Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente –, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de conta-

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