TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
511 acórdão n.º 145/14 n.º 2 condensa vários princípios que, no seu conjunto, e articulados com os princípios individualizados no n.º 1 (princípio da prossecução do interesse público e princípio pelo respeito dos direitos e interesses dos particulares) constituem as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal, respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração. No que se refere especificamente ao princípio da proporcionalidade,também enunciado nesse n.º 2 como princípio conformador da atividade administra- tiva, ele apenas significa que, no exercício de poderes discricionários, a Administração, para prosseguir os fins legais e os interesses públicos, deve atuar de acordo com a justa medida, adotando, de entre as medidas necessárias e adequadas, aquelas que impliquem menos sacrifícios e perturbação à posição jurídica dos admi- nistrados. Ainda que o controlo da proporcionalidade possa ser realizado, dentro dos limites impostos pela separação de poderes, pelos tribunais administrativos e fiscais, é claro que estamos aí perante um parâmetro de controlo da atuação administrativa e não um parâmetro de constitucionalidade do sistema legal que possa ser sindicado pelo Tribunal Constitucional (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II Vol., 4.ª edição, Coimbra, pp. 797 e 801-802). A questão central que o recurso de constitucionalidade coloca, e que interessa dilucidar, é a de saber se a exigência imposta pelo n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, sujeitando o interessado a autorizar o acesso à informação bancária como requisito prévio para desencadear, no seu próprio interesse, um determinado procedimento probatório, viola o princípio da reserva da intimidade da vida privada ou ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva e constitui, nessa medida, uma restrição ilegítima a um direito fundamental. Como se considerou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/07, já há pouco citado, na linha de anterior jurisprudência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República. Essa conclusão, assente na ideia de que a posição económica de cada um não deixa de ser uma projeção externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade, só é problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações que apontam o sigilo bancário como um instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal. Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (Acórdão n.º 42/07) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (Acórdão n.º 278/95). Por outro lado – como ainda se anotou no Acórdão n.º 442/07 – quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n. os 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro). Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, p. 619). Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.
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