TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entrada em vigor da lei nova)»; e que «para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa». A partir desta jurisprudência, conclui-se naquele Acórdão o seguinte: «(…) 6.1. No que se refere à problemática da proibição da retroatividade, parece claro que a hipótese de uma qual- quer aplicação retroativa do disposto no artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, no caso concreto e nos termos proibidos pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – retroatividade própria ou autêntica, ou seja, aplicação de lei nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova –, não se pode colocar. Na verdade, por um lado, o facto gerador da obrigação – a alienação – ocorre indubitavelmente na vigência da lei nova. Por outro, não é sustentável afirmar a existência de um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva. Na verdade, não basta que se verifique uma aquisição anterior e uma alienação posterior para que se possa afirmar a existência de um único facto, embora complexo. A ser assim, qualquer aquisição que, no futuro, próximo ou longínquo, desse origem a uma alienação seria um facto complexo, não obstante serem distintos o primeiro alienante e o segundo adquirente, não obstante o conteúdo da contratação ser diverso na primeira e na segunda alienação, não obstante ocorrer um lapso de tempo mais ou menos prolongado entre tais operações. A intermediação meramente casual de uma pessoa (no caso, o primeiro adquirente/segundo alienante) não pode ser elemento suficientemente capaz de produzir a união de factos que são juridicamente distintos, quer do ponto de vista dos intervenientes, quer, acima de tudo, do ponto de vista da sua substância. (…) 6.2. E quanto à alegada violação da proteção da confiança e da segurança jurídica, também não é possível sufragar a tese da recorrente. De facto, a proteção das alegadas expectativas invocadas pela ora recorrente jamais pode colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis. A menos que os requisi- tos de proteção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência constitucional, estejam integralmente verificados. E, na realidade, não estão. Vejamos. Em primeiro lugar, não se pode dizer que o Estado, através da Administração Fiscal, ao permitir durante certo período a dedução da totalidade das menos-valias obtidas em determinada alienação, possa ter criado uma expec- tativa de manutenção de idêntico regime para o futuro. Admitir o contrário seria aceitar um princípio de imutabi- lidade das leis, que se não pode reconhecer. Em segundo lugar, também não se antevê como possa a expectativa da recorrente ser havida como legítima, já que tal implicaria uma como que «proibição de retrocesso» em matéria de deduções fiscais, igualmente inaceitável. Em terceiro lugar, tão-pouco se pode dizer que a ora recorrente possa ter feito, legitimamente, um plano de vida assente no pressuposto de continuidade do “comportamento” da Adminis- tração Fiscal. Na realidade, afigura-se insustentável afirmar que a ora recorrente ao adquirir as participações sociais em causa o fez no pressuposto de, posteriormente, independentemente até de qualquer “proximidade temporal” entre a aquisição e a alienação – que poderá vir a ocorrer décadas após –, as vir a alienar com prejuízo, deduzindo, nesse caso, a totalidade das menos-valias. Em quarto e último lugar, parece existir uma razão de interesse público subjacente à alteração legislativa em causa: obter uma mais justa e equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espécies de contribuintes, dado que o regime resultante do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, apenas se aplica, por definição, a contribuintes que tenham a natureza de pessoa coletiva ou afim. Não é, assim, possível concluir, como pretende a recorrente, pela violação do “princípio da segurança jurídica, estabelecido no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa”».

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