TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

477 acórdão n.º 137/14 L. No que respeita à violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela de confiança é de recordar que a norma de desconsideração de perdas (reais) em análise se aplica a partes de capital adquiridas anteriormente à sua existência e, mais do que isso ainda, aplica-se a situações em que as circunstâncias que ela mesmo erigiu, determinantes do afastamento da dedutibilidade, se consumaram ou preencheram antes da sua existência (situação tipo na qual se subsume também a da ora recorrente). M. Pelo que é inequívoco que a recorrente (e todos quantos se encontrem nesta situação tipo) foi sujeita a uma nova regra sem que tenha tido alguma vez, ou venha a ter, oportunidade (liberdade) de conduzir a sua vida de modo a ajustá-la à mesma: v. g. , de modo a não se subsumir na previsão normativa que agora a apanha sem apelo nem agravo, ou de modo a precaver-se ressarcindo-se (via preço, por exemplo) previamente perante os agentes económicos com quem interage ( maxime perante aquele a quem adquiriu, no passado por referência à nova regra de indedutibilidade de perdas, o ativo “parte de capital”). N. E é de reconhecer a existência de uma legítima expectativa do destinatário típico da norma, no sentido de que a medição do seu rendimento para efeitos de tributação seja efetuada tendo em conta as perdas reais em que incorre (no caso relacionadas com partes de capital). O. Com efeito, é, e foi, o próprio legislador quem, ao eleger como princípio fundamental, desde há dezenas de anos, e com estabilidade constitucional, a tributação de acordo com a capacidade contributiva e com o ren- dimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e artigos 3.º, n.º 2, e 17.º, n.º 1, do Código do IRC), criou a confiança ou expectativa (legítima) de que as perdas reais não são ignoradas pelo sistema fiscal de tributação do rendimento, pelo que, querendo o legislador ignorá-las para efeitos desta ou daquela situação, i.e., querendo abrir exceções, P. Deva, para além da necessidade de justificação e respeito pelo princípio da proporcionalidade, salvaguardar as situações tipo presas ao seu passado, como aquela da recorrente, adotando para o efeito as disposições transi- tórias convenientes (ou a rutura será desproporcionada e violará o princípio constitucional da tutela da con- fiança), coisa que o legislador não fez neste caso concreto, nem teve interesse em fazer (mas acabou por fazer, por exemplo, na transição do sistema do imposto de mais-valias para a diferente tributação das mais-valias no IRC – cfr. artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 360/91, de 28 de Setembro de 1991). Q. Para além de que com respeito especificamente às SGPS, embora à semelhança de outros pontos do nosso orde- namento fiscal o seu regime fiscal tenha sido sujeito a um constante “fazer e desfazer”, é inequívoco que nunca até 01.01.2003 havia sido jamais sujeita a um afastamento da dedutibilidade fiscal de perdas (ou quaisquer encargos) por si incorridas, pelo que a introdução deste malefício foi, também por mais esta razão, totalmente inesperada para os seus destinatários. R. E nota-se ainda a este propósito que ser ou não uma SGPS (tipo de entidade ao qual se dirige o regime aqui em causa) não é uma questão de opção (cfr. artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro) e que, contrariamente ao afirmado na decisão arbitral, eliminar isenção não é mais grave (do ponto de vista da tutela da confiança) do que eliminar a dedução de perdas ou custos reais (que equivale a uma ficção de rendi- mento adicional para efeitos de tributação)». 5. Notificada para produzir alegações, a recorrida arguiu nulidade resultante da omissão do despacho a que se refere o n.º 1 do artigo 76.º da LTC (decisão sobre a admissibilidade). Por despacho do relator, foi julgada improcedente tal arguição (fls. 162 e segs.). No seguimento deste despacho, a recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte, para o que agora releva: «a. Falecem na totalidade os argumentos expostos pela recorrente na tentativa de demonstrar a desconformidade, com a Lei Fundamental, das normas que se acham sob os artigos 38.º, n.º 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, bem como da norma constante do n.º 2 (conjugado com o n.º 3) do artigo 31.º do EBF, na redação introduzida por aquela lei.

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