TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. Notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu, para o que agora releva, o seguinte: «A. A norma constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que impõe a aplica- ção às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias com respeito (entre outras situações tipo) a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, i. e. , anteriormente à existência da referida regra de indedutibilidade fiscal (regra esta consagrada via alteração operada pela mesma Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, aos então artigos 23.º, n.º 5, alínea a) , do Código do IRC, e 31.º, n. os 2 e 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – atuais artigos 23.º, n.º 3, alínea [?]), do Código do IRC e 32.º, n. os 2 e 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica (imanentes ao Estado de direito democrático – cfr. artigo 2.º da CRP). B. Com efeito, a norma de desconsideração de perdas (desvalorizações) reais viola a proibição de retroatividade na medida em que se aplica a partes de capital adquiridas anteriormente à sua existência. C. E viola a referida proibição na medida também em que se aplica a situações em que as circunstâncias que ela mesmo erigiu, determinantes do afastamento da dedutibilidade, se tenham consumado ou preenchido antes da sua existência. D. Exemplificando, foi justamente isso que se verificou no caso concreto: os únicos factos ou circunstâncias necessários, isoladamente e por si só, para bloquear a relevação fiscal dos prejuízos na situação tipo aqui em causa, ocorreram inteiramente num tempo em que a lei instituidora do bloqueio (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro de 2002, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003) não existia, nem nada de semelhante existia então. E. Assim é que a circunstância “aquisição há mais de um ano” (cfr. artigo 31.º, n.º 2, do EBF) verificava-se já em 1 de Janeiro de 2003, o mesmo ocorrendo com a circunstância “aquisição a entidade relacionada há menos de três anos” [cfr. a alínea a) do n.º 5 do artigo 23.º do CIRC, e bem assim a omissão cirúrgica a menos-valias no n.º 3 do artigo 31.º do EBF – que preserva a aplicação do seu n.º 2 a estas perdas]. F. Donde que, antes ainda de 1 de Janeiro de 2003 (data de entrada em vigor da exclusão de dedutibilidade) a parte de capital em causa (detida desde 2001) estava já irremediavelmente prisioneira de um regime de indedu- tibilidade fiscal de menos valias inovador (sem que com isso se queira significar de aplaudir) no nosso sistema fiscal, que só nessa data viria a ver a luz do dia. G. Não é de aceitar, julga-se, contrariamente ao que subscreveu a decisão arbitral, que o momento relevante para aferir da existência de retroatividade seja o momento da venda, venda esta convencionalmente escolhida pelo legislador infraconstitucional como facto tributário: como ocorrência (eleita) que desencadeia o processo (con- centradamente realizado por referência a 31 de Dezembro de cada ano) de fazer contas no âmbito do imposto aqui em causa. H. O momento da venda é apenas o momento convencionalmente escolhido (poderia ser outro, e hoje já o é em várias situações) pelo legislador para contabilizar fiscalmente a perda, do mesmo modo que 31 de Dezembro de cada ano é o momento convencionalmente escolhido pelo legislador (podia ser outro) para que as sociedades (e as pessoas singulares) apurem o seu rendimento para efeitos de tributação (sendo que o rendimento não nasce, evidentemente, nesse momento). I. Se a prescrição constitucional aqui em causa se deixa ficar refém do momento convencionalmente escolhido pelo legislador para que se façam as contas, o seu objetivo e razão de existir (imposição de limites, relacionados com a tutela da confiança, ao legislador ordinário) ficarão, necessariamente, comprometidos, como que se invertendo quem prescreve o quê a quem na relação entre legislador constitucional e ordinário. J. Finalmente, económica e substancialmente falando pode ainda dizer-se que há aplicação retroativa na medida em que não foi acautelada a relevância fiscal da perda correspondente à desvalorização das partes de capital acumulada anteriormente a 2003.
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