TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
474 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Importa dizer, desde logo, que não estamos em presença de uma retroatividade de primeiro grau ou autêntica (objetivamente proibida pela Constituição – artigo 103.º, n.º 3, da CRP (por todos Acórdão do Tribunal Consti- tucional n.º 128/2009 – in www.tribunalconstitucional.pt ) – que ocorreria se, por exemplo, a venda das ações da B. tivesse ocorrido em 2002 e a Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 (que entrou em vigor em Janeiro de 2003) dissesse (que não diz) que o art 31.º do EBF, na desconsideração das menos-valias, se aplicaria a partir de 1/[?]/2002. Do mesmo modo, também não existe no caso presente um outro tipo de retroatividade (de segundo grau, digamos assim) – com acesa disputa jurisprudencial e doutrinal quanto à sua legitimidade constitucional – que ocorreria se, por exemplo, a venda das ações B. tivesse ocorrido em Junho de 2003 e a lei que passa a desconsiderar as menos-valias entrassem em vigor a Outubro de 2003 (dentro do mesmo ano civil), e dissesse que se aplica às menos-valias realizadas desde Janeiro de 2003 (na suposição de que o facto tributário se consolida apenas no final do ano). No caso dos autos, existe, por assim dizer, uma questão de terceira linha: a lei nova (que passa a desconsiderar as menos-valias) está clara e totalmente em vigor no momento da realização das menos-valias (com a venda das ações da B.), mas não estava em vigor na data de aquisição dessas partes de capital. Pergunta-se: a lei nova (artigo 31.º do EBF, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12) – que não contém qualquer disposição transitória específica para o caso em análise – pode aplicar-se a essas menos-valias? O itinerário legal desta questão é-nos dado por um princípio geral e suas exceções. O princípio é este: as normas tributárias (como quaisquer outras) aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (artigo 12.º, n.º 1, da LGT). E nesse sentido, não existe qualquer retroatividade no caso sub judice : as menos-valias foram realizadas num momento temporal em que o artigo 31.º do EBF estava totalmente em vigor. No caso dos autos não existe, por outro lado um facto tributário de formação sucessiva desde a data de aqui- sição das partes de capital (2001) até à data da sua alienação (2003): o IRC dura, quanto muito, pelo ano civil – desde 1 de Janeiro de 2003 até 31 de Dezembro de 2003 (cfr. artigo 8.º do CIRC). Mas estes princípios comportam exceções – e aderimos neste ponto às considerações jurídicas abstratas for- muladas pela requerente (mas não à solução por ela proposta para o caso concreto): a lei nova (artigo 31.º EBF) não se aplicaria ao caso dos autos se a lei antiga (tributação das menos-valias) tivesse crido uma confiança tal no contribuinte (relativamente ao regime fiscal em caso de realização) que lhe conferiu um direito ou expetativa juridicamente tutelada, a ponto de as alterações legais supervenientes do regime da alienação dos ativos não lhe poderem ser aplicáveis, sob pena de, ilegal e inconstitucional frustração dessa confiança (ínsita no Estado de direito democrático). Mas a requerente não provou essa expetativa ou direito digno de tutela. Alegou transtornos e incómodos pela superveniente não-aceitação da menos-valia. E isso é óbvio (ninguém gosta de pagar impostos), e talvez sobretudo quando se alteram as regras durante o período de detenção do ativo. Mas nada provou em termos concretos e pre- cisos: que só fez aquele investimento (na B.), exclusiva ou principalmente em face do regime fiscal das menos-valias que existia na data da aquisição dessas partes de capital; que sem esse regime tributário (tributação das menos- -valias) não teria feito o investimento, ou tê-lo-ia feito por um preço substancialmente inferior(...) De resto, nem o podia fazer, pois objetivamente isso não se verifica, de uma forma com cobertura e tutela jurídica: nunca se pode dizer que para uma SGPS, num investimento feito em 2001 (compra das ações B.), foi con- dição (essencial ou principal) de entrada que as menos-valias resultantes da venda fossem reconhecidas fiscalmente. Uma SGPS, como qualquer sociedade comercial, adquire ativos dentro do seu escopo social com o intuito da sua frutificação e valorização. Deseja obter proveitos com tais bens, seja pelos rendimentos periódicos que propor- ciona, seja pela alienação da raiz. Claro que pode haver desvalorizações e perdas. Isso faz parte do risco assumidos nos negócios – previsíveis e tidos em conta, inclusive, no momento de tomada do ativo. Tudo isto é verdade; agora, o que não se pode dizer é que a SGPS requerente, tomou esse ativo (em 2001) em função ou tendo em conta – exclusiva, principal ou determinantemente – o regime fiscal das menos-valias.
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