TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
465 acórdão n.º 136/14 19. Desde logo, decorre do princípio do Estado de direito democrático a possibilidade de o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação, alterar o regime de reparação de acidentes de trabalho. Foi o que ocorreu quando, em 2009, foi eliminado o limite de dez anos que então valia para a revisão de pensões por acidente de trabalho (n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127), estabelecendo a regra da revisão a todo o tempo das prestações (n.º 3 do artigo 70.º da Lei n.º 98/2009). O legislador restringiu, porém, a aplicação desta regra aos acidentes de trabalho ocorridos após 1 de janeiro de 2010 (artigos 187.º, n.º 1, e 188.º da Lei n.º 98/2009). E ao fazê-lo introduziu uma diferença no tratamento dos sinistrados em função da data de ocorrência do acidente de trabalho: para acidente de trabalho ocorrido antes de 1 de janeiro de 2010 continua a valer o limite de dez anos estabelecido no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 98/2009; para acidente ocorrido depois desta data vale a regra da revisão a todo o tempo. 20. Diferentemente do que foi entendido na decisão recorrida existe, porém, fundamento razoável para a diferenciação do campo de aplicações dos dois regimes vigentes, em função da data de ocorrência do aci- dente de trabalho. Existem razões de segurança jurídica a acautelar. Sendo dedutível do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), o princí- pio geral da segurança jurídica não deixa de ser reconhecido como um «princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito» (Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, p. 261), tendo o indivíduo «o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Almedina, 1998, p. 250). O Tribunal Constitucional, no Acórdão do n.º 574/98, referiu a este propósito que: “(…) a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica na atuação do Estado obriga este, para que a vida em comunidade decorra com normalidade e sem sobressaltos, à garantia de um mínimo de certeza e de segurança do direito das pessoas e das expectativas que lhes são juridicamente criadas, pelo que uma alteração legislativa que modifique de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que devem ser respeitados não pode deixar de contender com tal princípio constitucional. O cidadão deve poder prever que as intervenções legislativas do Estado se façam segundo uma certa lógica racional e por forma a que ele se possa preparar para adequar a sua futura atuação a tais intervenções e de tal modo que uma tal atuação possa ser reconhecida na ordem jurídica e tenha os efeitos e consequências que são previsíveis face à decorrência lógica da modificação realizada”. 21. Ora, a solução propugnada pela decisão recorrida conduziria necessariamente à possibilidade de fazer renascer situações passadas e definitivamente consolidadas na ordem jurídica, colocando em causa o referido princípio da segurança jurídica. De facto, admitir esse “renascimento” apenas porque o legislador, na sua liberdade de conformação, decidiu legislar de forma diferente para o futuro, é algo que afeta intolera- velmente a segurança das relações jurídicas. Como bem observa o Ministério Público nas alegações produzidas, também as expetativas do responsá- vel pelo pagamento da pensão merecem tutela. O regime de reparação por acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que conduz à reparação pelo acidente de trabalho por uma empresa seguradora resulta do contrato de seguro celebrado. É pela celebração deste negócio jurídico que a entidade empregadora transfere a sua responsabilidade para uma seguradora, acordando ambas as partes as condições e termos da efetivação pela última de uma prestação ao trabalhador sinistrado, caso se verifique a condição de que depende a cobertura. Como contrapartida, a entidade empregadora obriga-se a pagar o prémio de seguro igualmente acordado. Ora, para a estipulação do valor deste prémio concorre naturalmente a apreciação do risco seguro e este é necessariamente condi- cionado pelo regime legal em vigor. É violador do princípio da segurança que a seguradora seja confrontada
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