TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Considerando que a intervenção tutelar pode ocasionar uma limitação de direitos, liberdades e garantias – ainda que ordenada a promover outros direitos fundamentais do menor –, dota-se o processo de garantias que realizam o conteúdo essencial de princípios consagrados na Constituição. […]» Referindo-se também a estas semelhanças, Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fon- seca (cfr. Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora, 2000, p. 22) dizem o seguinte: «Uma nota saliente do modelo processual adotado é a sua semelhança com o processo penal. E, com efeito, nada obsta a que este processo sirva de fonte ao processo educativo, já que constitui um ordenamento que realiza de forma particularmente ativa as garantias constitucionais da pessoa em face de pretensões de intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais. Considerando que a intervenção educativa pode ocasionar uma limitação de direitos, liberdades e garantias – ainda que ordenada a promover outros direis fundamentais do menor – dota-se, pois, o processo de garantias que realizam o conteúdo essencial de princípios consagrados na Constituição. Assim, o processo educativo aproxima-se do processo penal em matérias tão importantes como são as que se referem ao princípio da legalidade processual, ao direito de audição, ao princípio do contraditório ou ao direito a constituir advogado.» Estas semelhanças encontram tradução concreta no regime legal do processo tutelar educativo (cfr. Título IV, artigos 41.º e segs. da Lei Tutelar Educativa), sendo de realçar, no que ora releva, o artigo 45.º, no qual se consagra o estatuto processual do menor, titular de um conjunto de direitos e garantias processuais (em termos semelhantes ao que acontece com o arguido, nos termos do artigo 61.º do Código de Processo Penal). Entre estes direitos, as alíneas b) e c) do n.º 2 do referido artigo 45.º consagram o direito ao silêncio do menor, quer “sobre os factos que lhe forem imputados ou sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar” [alínea b) ], quer “sobre a sua conduta, o seu caráter ou a sua personalidade” [alínea c) ]. Por outro lado, são também estas semelhanças que fazem com que, no artigo 128.º da Lei Tutelar Edu- cativa, se determine a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal às disposições do título IV (relativas à tramitação do processo tutelar educativo). E, como se escreveu no Relatório Final apresentado pela Comissão para a Reforma do Sistema de Execu- ção de Penas e Medidas, “no essencial, pode afirmar-se que os aspetos em que o processo tutelar se aproxima de forma mais nítida das características do processo penal são reflexos de realidades normativas mais fundas, nomeadamente de índole constitucional, das quais o processo tutelar participa ao mesmo título e em pé de igualdade com o processo penal.” (o relatório encontra-se publicado por Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, na ob. cit. , pp. 419 e seg.). Daí que, apesar da intervenção tutelar não ter uma finalidade punitiva, as limitações aos direitos funda- mentais que integra, não podem deixar de exigir do legislador ordinário uma garantia dos direitos de audiên- cia e defesa, nos termos do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, ou por força da proibição da indefesa, inerente ao processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição. E nesses direitos de defesa está necessariamente presente o direito à não autoincriminação, visando garantir que o menor sujeito a um processo tutelar pela prática de um facto que a lei tipifica como crime não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa. Na verdade, tendo em consideração, por um lado, os valores tutelados pelo princípio nemo tenetur se ipsum accusare , e por outro lado, a dimensão das limitações aos direitos fundamentais que podem resultar da intervenção tutelar, aquele princípio não pode deixar de acolher sob o seu manto protetor a posição do menor que é sujeito a um processo tutelar. É essa também a orientação da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990,

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