TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
437 acórdão n.º 108/14 nha, não tendo o direito ao bom nome e à reputação uma valia suficiente para se sobrepor ao interesse do máximo aproveitamento possível de todo o material probatório em processo penal (assim ajuizou o Acórdão n.º 181/05 deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . O mesmo não sucede quando a cessação da qualidade de arguido resulte da sua condenação por decisão transitada em julgado. Nestas situações, o legislador, ponderando a possibilidade que o condenado ainda dispõe de pedir a revisão da decisão condenatória, através do recurso extraordinário previsto e regulado nos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, entendeu estender-lhe a faculdade de recusar-se a depor em processo penal separado em que esteja em apreciação o mesmo crime ou crime conexo. Tecidas considerações gerais sobre o princípio nemo tenetur se ipsum accusare e descritas e analisadas as regras constantes do artigo 133.º, n. os 1, alínea a) , e 2, do Código de Processo Penal, cumpre agora apreciar se a interpretação deste último número, no sentido de não ser exigível consentimento para o depoimento, como testemunha, de menor de 16 anos (à data dos factos) a quem tenha sido instaurado processo tutelar educativo pela prática dos factos criminalmente imputados ao arguido, tendo esse processo já terminado com o seu arquivamento, viola o referido princípio. Nesta hipótese o depoente não tem a qualidade de arguido em processo de natureza criminal, uma vez que, sendo menor em razão da idade, à data da prática dos factos, foi-lhe instaurado um processo tutelar educativo, não havendo, em rigor, separação de processos de natureza criminal. Na verdade, como é realçado pela decisão recorrida, bem como pelo Ministério Público nas suas alega- ções, o processo tutelar educativo não tem natureza criminal, não se confundindo com este, desde logo por não possuir uma finalidade punitiva. Essa diferença é, desde logo, evidenciada na exposição de motivos constante da proposta de Lei n.º 266/ VII (que veio a dar origem à Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, que aprovou a Lei Tutelar Educativa), onde se refere o seguinte: «[…] sendo finalidade da intervenção tutelar a educação do menor para o direito, e não a retribuição pelo crime, não poderá aplicar-se medida tutelar sem que se conclua, em concreto, pela necessidade de corrigir a perso- nalidade do menor no plano do dever-ser jurídico manifestada na prática do facto. Esta consideração mostra que a medida tutelar não pretende constituir um sucedâneo do direito penal e que é primacialmente ordenada ao interesse do menor: interesse fundado no seu direito à realização de condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável». Por outro lado, estas finalidades estão ainda traduzidas no artigo 2.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa, onde se estabelece que as medidas tutelares educativas «visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade» (sobre o sentido desta norma, cfr. Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Edi- tora, 2000, pp. 61 e segs.; e Tomé d’Almeida Ramião, Lei Tutelar Educativa anotada e comentada, 2.ª edição, Quid Juris, 2007, pp. 35 e segs.). Todavia, não pode esquecer-se que a aplicação de certas medidas tutelares, maxime a de internamento, constitui uma severa restrição de direitos fundamentais, que tem por fundamento a prática de um facto qualificado pela lei penal como crime, o que coloca o menor numa posição que, nesta perspetiva, não deixa de ter semelhanças com a do arguido no processo penal, o que, aliás se reflete, com evidência, no modelo processual adotado pela Lei Tutelar Educativa. Daí que no ponto 11. da exposição de motivos da referida proposta de Lei n.º 266/VII, se tenha assumido o seguinte: «[…] Genericamente, pode dizer-se que o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um orde- namento que realiza de forma particularmente ativa as garantias constitucionais da pessoa em face de pretensões de intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=