TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
433 acórdão n.º 108/14 II – Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O recorrente foi sujeito a julgamento nos presentes autos, sendo-lhe imputado a prática de um crime de roubo. Na audiência de julgamento depôs como testemunha C., o qual havia sido inicialmente arguido no mesmo processo, tendo o inquérito sido arquivado quanto a ele, por se ter constado que o mesmo era menor de 16 anos à data da prática dos factos, pelo que foi extraída certidão para procedimento tutelar educativo. Aquando do depoimento de C. na audiência de julgamento do recorrente, este requereu que, “nos termos do artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, para a testemunha ser ouvida, tinha de expres- samente consentir na sua inquirição (…)”. E arguiu desde logo a irregularidade de tal depoimento, caso o tribunal não questionasse a testemunha, no sentido de consentir ou não a sua inquirição. O tribunal indeferiu o requerido com fundamento em que não se encontravam preenchidos os requi- sitos do artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se aplicando este preceito à testemunha em questão, uma vez que ele não era arguido em processo penal separado. O recorrente veio a interpor recurso da sentença condenatória em que invocou a nulidade do depoi- mento daquela testemunha, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra julgado improcedente o recurso inter- posto pelo arguido nessa parte, com fundamento em que a exigência de consentimento para prestar depoi- mento, prevista no artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não é aplicável a menor de 16 anos, à data dos factos, em relação ao qual foi instaurado um processo tutelar educativo com fundamento na sua participação no crime imputado ao arguido no processo criminal. Este critério foi formulado de forma ampla, não se preocupando o Tribunal recorrido com o estado em que se encontrava esse processo quando o menor depôs como testemunha. Para o tribunal recorrido foi indiferente se o processo tutelar ainda se encontrava pendente ou se já tinha terminado e, nesta hipótese, qual tinha sido o seu desfecho. Nos termos do critério adotado, independentemente da situação do processo tutelar, ou do seu desfecho, na hipótese dele já estar extinto, o disposto no artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nunca se aplicaria quando a testemunha é um menor, à data da prática dos factos, a quem foi instaurado um processo tutelar educativo com fundamento na sua participação no crime imputado ao arguido no processo penal. Apesar de ter sido este o entendimento amplo da decisão recorrida que foi objeto do pedido de fisca- lização de constitucionalidade, nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal, o recorrente invocou que, quando o menor depôs na audiência de julgamento, o processo tutelar já havia terminado com a sua “absolvição”, ou seja o seu arquivamento, pelo que, implicitamente, reduziu a amplitude do critério norma- tivo impugnado às situações em que o processo tutelar educativo já se encontra arquivado quando o menor depõe como testemunha no processo penal. Se não é possível uma ampliação do objeto do recurso constitucional nas alegações, já é admissível a sua redução, pelo que o presente recurso deve ter como objeto a constitucionalidade da norma constante do artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não exigir consentimento para o depoimento em processo penal, como testemunha, de menor de 16 anos, à data dos factos, a quem tenha sido instaurado processo tutelar educativo pela prática dos factos criminalmente imputados ao arguido, tendo esse processo já terminado com o seu arquivamento. 2. Do mérito do recurso Segundo o recorrente, a interpretação normativa acima enunciada como objeto do presente recurso é inconstitucional por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare e, por conseguinte, do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
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