TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
432 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 22.º Por outro lado, a justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem, como funda- mento essencial, uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento, em obediência ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare , o também chamado privilégio contra a autoincriminação. 23.º O alargamento do impedimento – alargamento do direito do arguido ao silêncio – aos restantes coargui- dos, decorre da mesma garantia contra a autoincriminação, enquanto expressão do direito de defesa, entendida como a exigência de assegurar ao coarguido o direito a defender-se, sem que, através do testemunho sobre facto de outro, ele comprometa a sua própria posição processual, autoincriminando-se. 24.º Assim, a consagração deste impedimento representa uma renúncia do Estado à «colaboração forçada», na investigação de factos criminosos, por parte de quem é alvo dessa mesma investigação, ou seja, o(s) arguido(s); 25.º O modelo do testemunho consentido, previsto no artigo 133.º, n.º 2 do CPP, pretende satisfazer a exi- gência de trazer o conhecimento probatório do coarguido a um processo em que ele não se encontra a responder, sem eliminar, porém, a garantia do impedimento: a não sujeição dos arguidos do mesmo crime ao constrangi- mento característico da prova testemunhal. Cabe, no entanto, ao coarguido a decisão expressa sobre o exercício concreto do direito de depor como teste- munha. 26.º A norma, que estabelece o impedimento previsto no artigo 133.º do CPP visa, exclusivamente, a prote- ção dos direitos do coarguido, enquanto tal, no processo pertinente, em ordem a garantir o seu direito de se não autoincriminar. Com efeito, o impedimento cessa no caso de separação de processos, relativamente aos arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada um julgado, se os mesmos argui- dos expressamente consentirem em depor como testemunhas. Por outras palavras, o impedimento cessa no caso de o coarguido deixar de o ser no processo separado, por qualquer forma por que o procedimento criminal se pode extinguir. Nessa medida, o consentimento expresso do arguido revela-se suficiente para assegurar a legalidade deste meio de prova. 27.º Ou seja, o arguido, no processo onde o depoimento é prestado, nada pode opor, verificado o consenti- mento expresso do depoente, à inquirição do coarguido como testemunha. Assim, a eventual ofensa do disposto no artigo 133.º, n.º 2 do CPP, por o coarguido não ter expressado o seu consentimento, não pode implicar violação das garantias de defesa, constitucionalmente asseguradas, do arguido que está a ser julgado no processo onde o depoimento é prestado. Se tal violação ocorrer, ela só poderá operar relativamente ao coarguido depoente no processo separado, se, e na medida, em que o depoimento funcione como prova da sua autoincriminação. O que não é, como se viu, o caso dos autos. 28.º Por outras palavras, o recorrente, nos presentes autos, não poderá prevalecer-se do princípio nemo tenetur se ipsum accusare , mas sim, eventualmente, a testemunha C., uma vez que só em relação a ele a invocação de tal princípio poderia fazer algum sentido. Muito embora, como se viu, faltem outros pressupostos para a referida invocação, designadamente o facto de não estarmos perante a separação de processos criminais, mas de um processo criminal e de um processo tutelar educativo. Só pode, pois, concluir-se que o depoimento da testemunha C. é inteiramente válido, como sucessivamente confirmado pelas instâncias, quer a 1.ª instância, quer o Tribunal recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra. 29.º Nestes termos, entende o Ministério Público que deverá negar-se provimento ao presente recurso, confir- mando-se, assim, o Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de maio de 2013 […].»
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