TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
431 acórdão n.º 108/14 O Ministério Público apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: «[…] 16.º Vejamos, então, a solução a dar ao recurso de constitucionalidade em apreciação, relativo à interpretação feita pelo arguido no que respeita ao artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare . Sendo certo que, no entender do signatário, a argumentação do recorrente não merece ser acolhida por este Tribunal Constitucional, quer por não se adequar aos preceitos constitucionais e legais aplicáveis, quer por desres- peitar a jurisprudência deste Tribunal Constitucional. 17.º Relembremos, por comodidade de exposição, os principais elementos a atender na escolha da solução para os presentes autos, para além, naturalmente, das conclusões a retirar da jurisprudência constitucional acabada de referir. C. foi, inicialmente, constituído arguido, pelo órgão de polícia criminal autuante (GNR), nos presentes autos, por ter sido detido em flagrante delito, mas, atendendo ao facto de ser menor, a constituição como arguido não foi validada pelo Ministério Público que, determinou, por isso, em relação a ele, a abertura de um processo tutelar educativo (cfr. supra n. os 3 e 4 das presentes contra-alegações). Nessa medida, é como se a qualidade de arguido de C. nunca tivesse existido, como expressamente referido pelo tribunal de 1.ª instância (cfr. supra n.º 5 das presentes contra-alegações) e pelo Tribunal da Relação de Coim- bra, ora recorrido (cfr. supra n.º 6 das presentes contra-alegações). 18.º Por outro lado, não há aqui lugar à existência de dois processos criminais, mas apenas de um (os presentes autos) e de um processo de outra natureza (processo tutelar educativo), que não é, nem pode ser confundido com um processo de natureza criminal. A finalidade de um processo tutelar educativo não é punitiva, mas visa “a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade” (cfr. artigo 2.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educa- tiva, aprovada pela Lei 166/99, de 14 de setembro). Os interesses prosseguidos no processo tutelar são, pois, muito diferentes daqueles subjacentes a um processo criminal, como igualmente sublinhado pelo tribunal de 1.ª instância (cfr. supra n.º 5 das presentes contra-alega- ções) e pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ora recorrido (cfr. supra n.º 7 das presentes contra-alegações). Formalmente não existe, pois, separação de processos criminais, como previsto no artigo 133.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. 19.º Por outro lado, ao contrário da esforçada argumentação do recorrente, ao longo dos presentes autos, o depoimento de C. nunca poderá acarretar, para ele, qualquer possibilidade de responsabilização criminal pela prá- tica dos factos averiguados nos presentes autos, uma vez que o mesmo era, à data da respetiva prática, penalmente inimputável, como devidamente salientado pelo Ministério Público, pelo tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. supra n. os 3, 4, 5, 6 e 7 das presentes contra-alegações). Nessa medida, não havendo qualquer possibilidade de autoincriminação quanto ao depoimento de C., não há nenhuma razão para considerar invalidamente prestado ou proibido o respetivo depoimento. 20.º Finalmente, a liberdade de prestação de declarações, por parte de um arguido, tem de ser vista de uma dupla perspetiva. Por um lado, representa um direito irrestrito de intervenção e declaração, por parte do arguido, em abono da sua defesa. Por outro, encerra igualmente uma vertente negativa – traduzida no princípio nemo tenetur se ipsum accusare –, que assume particular relevância em matéria de produção de prova, não podendo o arguido ser fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua incriminação. 21.º O conteúdo material do princípio nemo tenetur é, desde logo, assegurado através da imposição, às autori- dades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal, de deveres de esclarecimento ou de advertência ao arguido sobre os seus direitos, estabelecendo-se, por outro lado, a sanção de proibição de valoração e da nulidade das provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa da integridade, física ou moral do arguido.
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