TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
424 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Note-se que o montante fixado – 25 unidades de conta – exclui as sanções aplicadas a infrações con- traordenacionais laborais leves e também, salvo quanto às coimas aplicadas a sociedades com volume de negócios igual ou superior a € 10 000 000, as contraordenações graves negligentes, denotando a escolha de valor que comporte significado económico capaz de justificar a intervenção, em recurso, de uma segunda ins- tância judicial. Cabe recordar que a arguida, aqui recorrente, pretende impugnar pronúncia judicial exercida em sede de recurso de impugnação judicial sobre a decisão administrativa (artigo 59.º do RGCO), pelo que está em causa a admissão de duplo grau de recurso. 8. Num esforço de demonstração da arbitrariedade da medida, a recorrente esgrime argumentos funda- dos na possibilidade de aplicação da sanção de encerramento do estabelecimento comercial, nos termos do artigo 562.º, n.º 2, alínea a) , do Código do Trabalho, e também a tutela, no domínio sancionatório laboral, de interesses meramente individuais ou privados. Porém, os regimes da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e do RGCO, não apresentam diferença no que respeita às sentenças ou despachos que imponham sanções acessórias, como aquelas tipificadas no artigo 562.º do Código do Trabalho. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/99, de 14 de setembro, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 73.º do RGCO, as condenações que con- templem a imposição de sanção acessória são recorríveis para a relação, independentemente do montante da coima. Também não se encontra em argumento fundado nos bens jurídicos tutelados suporte para o enten- dimento da recorrente, pois daí não resulta motivo para considerar restringida a ampla margem de confor- mação do legislador quanto à admissibilidade de recurso no âmbito das contraordenações juslaborais. As quais, em todo o caso, não obedecem, na ordenação de comportamentos e à censura da infração de normas precetivas ou proibitivas, a proteção de interesses meramente individuais, como pretende a recorrente. No âmbito da relação de trabalho, a tutela, mesmo a tutela contraordenacional, transcende os interesses priva- dos, materializando a proteção de interesses constitucionalmente protegidos, como avulta, em especial, nos campos normativos juslaborais regulados em termos imperativos. A específica infração em questão nos pre- sentes autos, relativa ao intervalo mínimo de descanso entre jornadas de trabalho consecutivas (artigo 214.º, n.º 1, do Código do Trabalho), ilustra com nitidez essa dimensão objetiva, concretizadora de direito social de natureza fundamental, como seja o direito à organização do trabalho em termos de permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e o direito ao repouso, que constituem incumbências do Estado [artigo 59.º, n. os 1, alíneas b) e d), e 2, da Constituição]. Vale, nesta matéria, o que se entendeu no Acórdão n.º 226/11: “o princípio da igualdade não impede (...) que, em matéria de ilícito contraordenacional, o legislador ordinário estabeleça regimes especiais desti- nados a regular aspetos específicos do interesse público”. O parâmetro constitucional invocado pelo recorrente – princípio da igualdade – não se mostra, pois, violado, correspondendo a norma sindicada a uma opção do legislador democrático tomada no exercício da sua liberdade de conformação e que comporta diversidade de tratamento no domínio da alçada de recurso para o Tribunal da Relação fundada em motivos razoáveis: reservar a intervenção, em recurso, de uma segunda instância jurisdicional para as situações de maior gravidade no domínio juslaboral, medida pelo valor da coima concretamente aplicada. Note-se, ainda, que o recurso para a Relação permanece viável, independentemente da sanção aplicada, não só nos casos de imposição de sanção acessória, como se referiu, nos casos de rejeição da impugnação e de decisão por despacho com oposição do arguido, bem como quando o Tribunal da Relação, a requerimento, aceitar o recurso da decisão por tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. À semelhança do que decorre do artigo 73.º do RGCO. Cumpre, então, afastar a formulação de juízo de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 49.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e concluir pela improcedência do recurso.
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