TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
423 acórdão n.º 106/14 «O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa (artigo 13.º, da Constituição), a dimensão da proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, as diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes. O prin- cípio da igualdade, nesta perspetiva, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de trata- mento fundadas em categorias meramente subjetivas, sem fundamento material bastante. A proibição do arbítrio constitui, assim, um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Realce-se, no entanto, que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material.» Ora, a estipulação de alçada diferenciada no âmbito do regime específico das contraordenações laborais, por confronto com o que acontece com o regime geral, encontra justificação material em função da eleição de critério de recorribilidade assente na gravidade das infrações, medida pelas sanções aplicadas, e congruente com a estrutura sancionatória específica do ordenamento contraordenacional laboral. 7. Com efeito, o artigo 553.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, contempla três escalões de gravidade para as contraordenações laborais: leves, graves e muito graves, a que correspondem, nos termos dos artigos seguintes – artigo 554.º e 555.º – diferentes molduras sancionatórias abstratas, definidas em função de fatores subjetivos e objetivos: a natureza do sujeito, o número de trabalha- dores e, quando empresa, do volume de negócio. Esta opção legislativa de catalogação das contraordenações laborais, surgiu pela primeira vez no regime da Lei n.º 116/99, de 4 de agosto, inspirada por classificação do mesmo tipo feita pelo Código da Estada (cfr. João Soares Ribeiro, Contraordenações Laborais, Regime Jurídico, Almedina, 3.ª edição, 2011, pp. 338 e 339). Tomando as diferentes molduras abstratas, verifica-se que o montante constante da RGCO – corres- pondente a um pouco menos de 2,5 unidades de conta – fica aquém dos montantes mínimos aplicáveis às contraordenações muito graves e graves, mesmo em caso de negligência. E, tomando as contraordenações leves, o referido montante pouco ultrapassa os limites mínimos aplicáveis em caso de infração dolosa, nos casos em que o agente não tenha trabalhadores ao serviço ou, sendo pessoa singular, não exerça atividade com fins lucrativos. Nos restantes casos, mormente nas contraordenações praticadas por empresas, apenas o limite mínimo da moldura abstrata negligente das empresas com volume de negócios inferiores a € 10 000 000 não ultrapassa aquele valor (mínimo de 2 unidades de conta). O que significa, considerado o universo de sujeitos a que pertence a recorrente – empresa com volume de negócios igual ou superior a € 10 000 000, tendo em atenção a sua condenação nos termos do disposto na alínea e) do n.º 3 do artigo 554.º do Código do Trabalho – que a aplicação da mesma alçada estabele- cida no RGCO comportaria, em substância, a ausência de limites para a recorribilidade de condenação em coima para a Relação pois, invariavelmente, a coima aplicada no âmbito do Código do Trabalho ultrapassa o montante de € 249,40, constante do artigo 73.º, n.º 1, alínea a), do RGCO e mantido inalterado desde há mais de 30 anos. Compreende-se e justifica-se, assim, que, em função da estipulação de sanções cujos valores ultrapas- sam com frequência a alçada constante do RGCO, que o legislador democraticamente legitimado tenha, no exercício de sua margem de conformação, fixado alçada em montante bastante superior para o domínio específico das contraordenações laborais e relativas à segurança social, em consonância com o valor das san- ções previstas.
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