TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
417 acórdão n.º 105/14 11. O Tribunal confronta-se pela primeira vez com tal questão. O que se compreende, a partir da cons- tatação de que no ordenamento civil não se encontra prazo de prescrição com duração inferior a seis meses, sendo tal prazo prescricional reservado, essencialmente, para o domínio da prescrição presuntiva, com espe- cial relevo para a proteção do consumidor e utente de serviços públicos essenciais. E, mesmo aí, merecendo criticas de radicalidade da solução legislativa, por se entender que “[a]meaçar, por suposto desinteresse, uma pessoa, por não efetivar judicialmente um direito num prazo de seis meses, não parece credível” (Menezes Cordeiro, ob. cit. , p. 204). É certo que, tendo em atenção o prazo de caducidade de seis meses e questão com alguma proximi- dade com os contornos do problema sub judicio – prazo de caducidade de seis meses para o acesso à justiça administrativa, contados a partir de ato de deferimento tácito de pedido de licenciamento de um loteamento – entendeu o Tribunal no Acórdão n.º 70/00 que tal duração para o exercício do direito de ação não se mostrava desproporcionado. Valorou-se então especialmente a simplicidade da ação a interpor, limitada ao pedido de reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito, observando-se que “seria de todo irrazoável que o particular, que adquire direitos por virtude da passividade da Administração, pudesse depois prevalecer-se dessa passividade para invocar esses direitos a qualquer momento. Isso seria algo que não condiria com a ideia de Estado de direito, em que a certeza e a segurança jurídica assumem relevo cons- titucional”. O sentido normativo aqui em apreço apresenta, contudo, diferenças valorativas significativas relativa- mente àquele ponderado no Acórdão n.º 70/00. Não só o prazo em questão é inferior – correspondendo a metade daquele, já de si muito curto – como da tipologia do direito indemnizatório em discussão não resulta aligeiramento ou simplificação das exigências processuais que recaem sobre o credor que o pretenda fazer valer em juízo. Mesmo que se possa encontrar no mecanismo de dedução de pedido ilíquido, nos termos consentidos pelo artigo 471.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Civil (de 1961), fator de mitigação do ónus de apuramento e alegação dos factos integradores da causa de pedir, em função do recurso a raciocínio de probabilidade, sempre permanece o plano probatório, de avaliação pelo credor sobre a comprovabili- dade dos factos em juízo, a exigir ponderação. Para tudo isso, que no caso sub judicio encontra inscrição no domínio complexo da comercialização de medicamentos, o prazo de três meses mostra-se particularmente diminuto, significando entrave à proteção jurisdicional que o credor normalmente diligente dificilmente ultrapassa. Nessa medida, afigura-se-nos que a interpretação normativa em apreço, aplicada no acórdão recorrido, ao atribuir ao recorrente a possibilidade objetiva de exercício do seu direito indemnizatório a apenas três meses, configura efetiva restrição do direito do lesado a ser indemnizado pelos danos decorrentes da atuação de entidade pública. Restrição essa que não encontra razões de segurança e certeza jurídicas que a justifiquem, face ao dis- posto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Não se encontra, no sentido normativo extraído do artigo 321.º do Código Civil – maxime na solução que faz correr o prazo prescricional quando à inércia do credor não corresponde ato de vontade ou de qualquer fator impeditivo de índole subjetiva e confina a três meses a possibilidade efetiva de exercer em juízo o direito à indemnização –, interesse público subjacente que creden- cie a estabilização da posição jurídico subjetiva do devedor com tal celeridade. Em especial quando o facto de que se faz depender o acesso à proteção jurisdicional em matéria administrativa, e correspondentemente o curso do prazo prescricional decorrente do funcionamento da causa de suspensão, constitui potestas do pró- prio ente público. Recorde-se que, nos termos decididos no acórdão recorrido, “antes da emergência de um ato de deferimento tal ação [de indemnização] era inviável – pois era impossível que o juiz da ação ordinária desse corpo a um ato administrativo que o Infarmed não produzira”. Cabe, por outro lado, considerar que o prazo especial de três anos prescrito no artigo 498.º do Código Civil para o direito à indemnização representa em si mesmo encurtamento significativo do prazo prescricio- nal ordinário, de vinte anos (artigo 309.º), com vista a permitir que a investigação dos factos e a sua recons-
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