TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
411 acórdão n.º 105/14 Acresce que não se detetou, nem o acórdão recorrido dá notícia, precedente jurisprudencial que acolha ou discuta a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil, nos termos e com o sentido em que o foi nos presentes autos. Cumpre, pelo exposto, concluir que a aplicação da interpretação normativa questionada configura deci- são surpreendente, tornando inexigível que o recorrente suscitasse previamente a sua desconformidade cons- titucional perante o tribunal a quo. Assegurada a legitimidade da recorrente, e preenchidos todos os pressupostos e requisitos de que depende o conhecimento do recurso, passemos a apreciar o seu mérito. C) Mérito do recurso 6. A interpretação normativa em análise inscreve-se no regime da prescrição, na vertente das regras da sua contagem, reportado ao direito à indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por ato de gestão pública, cuja disciplina decorre, por força da n.º 2 do artigo 71.º da Lei de Processo nos Tribu- nais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho (regime aplicável aos presentes autos), do artigo 498.º do Código Civil. Diz esse preceito, no seu n.º 1, que: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a con- tar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”. Nesse domínio especial, aclamou o legislador o deno- minado sistema subjetivo, que privilegia o conhecimento por parte do credor dos elementos essenciais do seu direito como momento relevante para o início da sua contagem, em termos mais exigentes do que decorre da regra geral, objetiva, constante do artigo 306.º, em que se estabelece que o prazo de prescrição começa a correr quando (logo que) o direito puder exercido, independentemente da cognoscibilidade do credor. A partir da aplicação desse prazo prescricional de três anos e da definição do momento em que ocorreu o conhecimento dos pressupostos do direito à indemnização por ato de gestão pública, correspondendo ao termo inicial da sua contagem, o preceito em que a recorrente radica imediatamente a interpretação normativa cuja conformidade constitucional questiona – n.º 1 do artigo 321.º– dispõe que: “A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. Importa, então, atentar na teleologia que lhe preside, no contexto normativo geral da prescrição de créditos e da contagem dos respetivos prazos. 7. O instituto da prescrição dos direitos de crédito, vertente basilar da repercussão do tempo nas relações jurídicas, responde, na sua regulação, a uma pluralidade de fundamentos, de que tomam parte a probabili- dade da efetivação do pagamento, a presunção de renúncia do credor, a sanção para a sua negligência, a pro- moção do exercício oportuno dos direitos, ou a necessidade social de certeza e de segurança jurídica. Como logo apontou Vaz Serra nos trabalhos preparatórios que conduziram ao Código Civil vigente, o respetivo regime jurídico obedece, conforme o aspeto encarado, a um ou a outro de tais fundamentos, configurando “instituto complexo, em que confluem razões várias e se debatem interesses contraditórios, cuja conciliação não é sempre fácil” (cfr. “Prescrição extintiva e caducidade”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 105, p. 33; para a resenha das várias visões doutrinais sobre os fundamentos da prescrição, cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade , Coimbra Editora, 2008, pp. 20 a 22). No seu cerne encontra-se, cabe sublinhar, imperativo de justiça. Nas palavras de Cunha de Sá: “Como meio e modo de cooperação humana, o vínculo obrigacional tem em vista a satisfação do interesse do credor através da conduta que por alguém passa a ser-lhe devida. Se aquele não exerce o crédito durante um espaço de tempo mais ou menos longo isso significa objetivamente que lhe passou a ser indiferente a prossecução
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