TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL B) Ilegitimidade da recorrente 5. Feito este percurso, encontramo-nos melhor habilitados a apreciar a questão prévia colocada pela recorrida quanto à ilegitimidade da recorrente, em virtude de não ter suscitado previamente perante o Tribu- nal a quo a questão de constitucionalidade colocada à apreciação do Tribunal Constitucional. Para a recorrida Infarmed, não estamos perante decisão surpresa, pois a questão da prescrição vinha sendo discutida, sendo possível à autora antever a aplicação da norma cuja inconstitucionalidade vem agora invocar. Pelo que, na sua ótica, face ao exigido na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Cons- titucional (LTC), o recurso não deveria ser conhecido. Recorde-se que a recorrente reconheceu no requerimento de interposição de recurso que não suscitou previamente a questão que pretende ver conhecida pelo Tribunal Constitucional, mas considerou – em defesa antecipada quanto à questão suscitada pela recorrida Infarmed – que não lhe era exigível que ante- cipasse a aplicação do n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil, sendo a interpretação normativa questionada inesperada e imprevisível. Com efeito, encontra-se consolidado na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que o requi- sito de suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, é dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional não se esgota com a prolação da decisão recorrida, ou nas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitu- cionalidade antes de proferida a decisão recorrida, ou ainda naquelas em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade, por representar concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada. A justificação apresentada pela recorrente remete para este último enquadramento e, ao que cremos, mostra-se suficientemente fundada. Em primeiro lugar, sendo exato que a questão (ampla) da prescrição do direito à indemnização fora dis- cutida nos autos, os termos em que o foi não comportam a normação questionada. A decisão proferida pelo TAF de Lisboa contém dupla fundamentação, em que a exceção perentória de prescrição assume posição cimeira, tendo concluído, por via do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, que o lesado tomou conheci- mento da existência do seu alegado direito mal terminou o prazo de decisão do Infarmed, ou seja, em 30 de agosto de 1994; nenhum argumento fundado em impedimento legal na efetivação do direito em juízo, ou na articulação do disposto no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil, surge mobilizado nessa decisão. Por seu turno, no recurso interposto para o STA, a autora, aqui recorrente, avançou que o disposto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil carecia de ser conjugado com o disposto no artigo 306.º do mesmo Código, de forma que o prazo prescricional começara a correr quando teve conhecimento do seu direito e o pudera exercer em juízo, o que, na sua ótica, só acontecera após 24 de junho de 1998. Assim, a discussão da questão prescricional cingiu-se à definição do seu dies a quo, a partir de critério normativo fundado na reunião da possibilidade de exercício do direito à indemnização e do conhecimento da sua existência e titularidade pelo credor. Não envolveu a vertente da ocorrência de causa de suspensão nem, em qualquer dimensão, o início e a contagem do prazo de prescrição do direito à indemnizado quando o seu lesado esteja legalmente impedido de o efetivar. Note-se que, na sentença proferida pelo TAF de Lis- boa foi considerado que a recorrente estava habilitada a fazer valer o seu direito a indemnização perante o Infarmed e a efetivar a responsabilidade civil da Administração por ato silente logo que decorreu o prazo de 120 dias para a decisão de autorização de introdução no mercado do medicamento “OGASTO”, ainda que, como fundamentação alternativa, tenha entendido que o Infarmed não estava legalmente vinculado a decidir – e a decidir naquele prazo – enquanto subsistissem dúvidas quanto à titularidade do licenciamento invocado pela A., inexistindo, então, ato tácito. Neste conspecto, afigura-se-nos que o percurso argumentativo e a mobilização do critério normativo questionado não era antecipável, de acordo com padrões de diligência e prudência forenses medianos.

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