TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

407 acórdão n.º 105/14 G. Decorrendo do Acórdão recorrido que o lesado ( i. e. , a A.) esteve impossibilitado de exercer o seu direito fun- damental à reparação dos danos sofridos em virtude de não dispor de um meio processual que lhe permitisse deduzir judicialmente essa pretensão indemnizatória, então não se poderia deixar de concluir que, sob pena de violação dos valores constitucionalmente tutelados nesta matéria, da lei deveria decorrer uma solução que respeitasse o conteúdo desse direito fundamental, garantindo a possibilidade de exercício do mesmo num prazo adequado, o que não ocorreu; H. Tendo ficado assente, nos termos da decisão tomada pelo Acórdão recorrido, que havia nesta matéria uma lacuna legislativa, na medida em que a lei processual não permitia ao lesado, até à produção de um ato de deferimento expresso, exercer judicialmente um direito que substantivamente lhe assistia a partir do momento em que fora ultrapassado o prazo legal de decisão, então a única solução constitucionalmente adequada era a de não prejudicar ou lesar esse interessado ( in casu , a A.), garantindo-se que quando tal ato expresso ocorresse, ele poderia exercer o seu direito a exigir uma indemnização pelos danos provocados pela atuação da entidade pública (o Infarmed) num prazo razoável, designadamente no prazo geral legalmente previsto (bastaria, por exemplo, aplicar o disposto no número 1 do artigo 306.º do Código Civil, que estabelece que “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”); I. A interpretação pelo Acórdão recorrido do artigo 321.º, número 1, do Código Civil, é carecida de funda- mento, porquanto o conceito de “motivo de força maior” como justificação para a suspensão do prazo de prescrição nos últimos três meses do decurso do mesmo não é claramente idóneo para abranger situações como a dos autos, de impossibilidade (originária), por falta de meio processual adequado, de exercício do direito fundamental de indemnização contra uma entidade pública; J. A aplicação do artigo 321.º, número 1, do Código Civil, na interpretação dada pelo Tribunal a quo, ao caso sub iudice representou um verdadeiro “benefício ao infrator”, uma vez que, por motivo única e exclusivamente imputável ao Estado Legislador (a ausência de meio processual adequado para tutela do direito da A.), se beneficiou uma outra entidade pública (o Infarmed), reduzindo-se drástica e infundadamente o prazo de que o lesado – a Recorrente – dispunha para exercer o seu direito fundamental a uma indemnização pelos danos provocados pela demora da atuação administrativa; K. Em suma, o artigo 321.º, número 1, do Código Civil quando interpretado, como foi pelo Acórdão recorrido, no sentido de que a impossibilidade – por falta de meio processual adequado – de exercer, nos tribunais admi- nistrativos, o direito de indemnização contra uma entidade pública, constitui “motivo de força maior” e, por conseguinte, apenas implica suspensão do prazo de prescrição de tal direito nos últimos três meses do mesmo, é inconstitucional, por violação do artigo 22.º da Constituição; L. O que ficou acima exposto permite igualmente evidenciar que o artigo 321.º, número 1, do Código Civil, quando interpretado como foi pelo Acórdão recorrido, é também inconstitucional por violação do número 1 do artigo 20.º e do número 4 do artigo 268.º, da Constituição, que consagram o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares (no caso concreto, dos direitos da A.); M. O prazo de três meses que, em decorrência do artigo 321.º, número 1, do Código Civil, se entendeu aplicável não garante uma efetiva tutela jurisdicional do direito da A., na medida em que corresponde a um prazo muito reduzido, drasticamente inferior ao prazo geral de prescrição, e que penaliza a Recorrente – ou qualquer lesado que se encontrasse nas mesmas condições – pela circunstância de o legislador, também aí em desrespeito do comando constitucional, não ter previsto um mecanismo processual que lhe tivesse permitido, anteriormente, obter satisfação processual para um direito que substantivamente lhe assistia. Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, declarada a inconstitucionalidade do artigo 321.º, número 1, do Código Civil, na interpretação propugnada pelo Acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada justiça!»

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