TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL responsabilidade civil daquele ente público – ou seja, teve «conhecimento do direito que lhe compete», embora desconhecesse “a extensão integral dos danos”. E esta conclusão, que poderia ainda parecer questionável, torna-se certa pelo uso de um decisivo argumento. Com efeito, se o problema dos autos estivesse submetido ao regime adjetivo do CPTA, a recorrente, confron- tada com o silêncio do Infarmed após aqueles 120 dias, ficaria em condições de propor uma ação administrativa especial em que reclamaria a prática do ato devido. E – pormenor agora notável – poderia cumular com esse pedido o de condenação do Infarmed a indemnizá-la pelos danos [genericamente invocados – artigo 471.º, n.º 1, alínea b) , do CPC] provindos do atraso no deferimento e na subsequente comercialização do “B…” [cfr. o artigo 4.º, n.º 2, alínea f ) , do CPTA]. Mas, se o regime processual hoje em vigor permite essa solução, é porque, em termos puramente substantivos, o direito a exercitar se deve ter por constituído e reconhecível desde o preciso momento em que se patenteie alguma conduta omissiva do género, imputável ao Infarmed; pois, não fora assim, teríamos que a lei adjetiva conduzia ao absurdo de permitir o exercício de um direito ainda in fieri . Portanto, e embora de maneira indireta, o CPTA lança luz sobre o problema em apreço – ante a evidência de que o direito material que o diploma permite exercer tem de ser do conhecimento do seu titular no exato momento desse exercício. É que o CPTA não criou direitos de crédito – o que, num diploma adjetivo, seria «contra naturam» – limitando-se a inovar quanto à possibilidade ou modo de os exercer. Donde a conclusão necessária de que a recorrente tomou “conhecimento do direito” de indemnização, que invoca nestes autos, na própria ocasião em que terminou o referido prazo de 120 dias – facto que ela diz ter ocorrido em 30 de agosto de 1994, como supra constatámos. Estes dados parecem imediatamente apontar para a ocorrência da prescrição, tendo em conta que o prazo dela era de três anos (artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil) e que só em 5 de junho de 2001 a autora interpôs a ação dos autos. Contudo, importa reter que o regime processual vigente naquela recuada data não consentia à autora a propositura de uma causa tendente a conseguir do Infarmed uma indemnização reportada à falta de um ato admi- nistrativo de deferimento. Atentemos neste ponto. A LPTA não previa um qualquer meio processual destinado a obter a prática de um ato devido – e, “….”, não previa que aí se cumulasse um pedido indemnizatório. Mas há mais: então, a autora não podia interpor a ação dos autos sem que previamente o Infarmed lhe deferisse o seu pedido, pois era-lhe impossível obter, pela via da ação de condenação, a declaração judicial (sucedânea da inércia administrativa) de que tal deferimento era devido em certa data – elemento nuclear para que depois se pudesse dizer que, por falta desse deferimento, tinham sobrevindo quaisquer danos. No regime da LPTA, a recorrente só podia fazer uma de duas coisas: ou aguardava que o Infarmed se pronunciasse; ou assumia o silêncio como um indeferimento tácito, impugnava-o e, obtida a supressão dele (por revogação no prazo da resposta ou por anulação judicial) e a sua substituição por um ato de deferimento, interpunha finalmente a ação de indemnização. Antes da emergência de um ato de deferimento tal ação era inviável – pois era impossível que o juiz da ação ordinária desse corpo a um ato administrativo que o Infarmed não produziria. Nesta conformidade, tudo parece refluir para a posição que a autora sustenta neste seu recurso jurisdicional: embora tomasse conhecimento do seu direito de indemnização mal passou o prazo de 120 dias de que o Infarmed dispunha para decidir (isto é, em 30 de agosto de 1994, como vem alegado), ela só podia interpor a ação depois de ser produzido o ato de deferimento; ora, esta derradeira certeza volta a sugerir que o prazo prescricional se conte desde 24/6/98, data da pronúncia efetiva do Infarmed ( rectius , o prazo contar-se-ia da notificação da pronúncia, aliás realizada de seguida). Não é, contudo, assim. Para os efeitos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, a data que constitui o dies a quo do prazo de prescrição é aquela “em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”. Portanto, é a partir daí que se conta o prazo prescricional de três anos. Todavia, esse prazo está sujeito às regras gerais de sus- pensão ou de interrupção e, nos termos do artigo 321.º, n.º 1, do Código Civil, “a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. A noção de “força maior” abrange todas as circunstâncias exteriores, mesmo as pro- vindas ex lege , que absolutamente impeçam o lesado de exercer o direito. Ora, a impossibilidade legal de a autora, antes da pronúncia favorável do Infarmed, propor contra ele uma ação de indemnização como a presente constituía um motivo de força maior para os fins previstos no citado preceito.

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