TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
403 acórdão n.º 105/14 foi proposta antes do decurso do prazo prescricional e, ademais, a tempo de o interromper nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Contudo, esta construção da recorrente é inadmissível. O direito de indemnização não pode repousar num “deferimento”, ainda que qualificado de tardio, pois esse foi, “a se”, um ato que trouxe aos interesses da recorrente efeitos necessariamente positivos. Seja qual for o desvalor que os adjetivos lhe emprestem, o substantivo «deferi- mento» invoca, por si mesmo, algo de vantajoso para a autora – e, nessa exata medida, algo em que ela não pode pretender escorar pretensões indemnizatórias. E, todavia, também a sentença não detetou com inteiro acerto o fundamento último do direito invocado pela autora. Se deveras existe no plano substantivo, tal direito não poderá advir do mero incumprimento de um dever, a cargo do Infarmed, de decidir num certo prazo. É que esse direito é de indemnização pelos danos resultantes da não comercialização de um medicamento; logo, tais danos nunca ocorreriam se o Infarmed acabasse por justifica- damente indeferir a pretensão da autora, mesmo que o fizesse muito depois do termo de algum prazo marcado na lei para o efeito. Nesta linha de raciocínio, aquilo que realmente subjaz à pretensão indemnizatória dos autos é o alegado incumprimento, imputável ao Infarmed, de um dever jurídico de deferir num certo prazo o pedido da autora. Pois, afinal, os danos cujo ressarcimento ela reclama advêm de uma suposta omissão temporária – uma demora – que precisamente consiste em o Infarmed haver cumprido tarde um dever de deferir que era observável antes. As partes não estão de acordo quanto à data exata em que o procedimento relativo à introdução do (…) no mercado estava devidamente instruído e pronto para decisão. Mas, a este propósito, duas únicas posições constam dos autos: a da recorrente, que afirma ter sido possível, e ademais devido, decidir-se a sua pretensão até 30 de agosto de 1994 – nisso mesmo se filiando a existência e a extensão dos danos invocados como ressarcíveis; e a do Infarmed, que defende que o procedimento só ficou em condições de ser decidido no momento em que deveras o foi. Ora, e nos termos gerais do artigo 342.º do Código Civil («vide» os seus ns.º 1 e 3), à autora incumbia alegar e provar os factos demonstrativos de que a decisão podia e devia ter surgido numa data anterior à real, pois essa anterioridade era um dos requisitos do “..” e do “…” dos danos que ela crê serem indemnizáveis. E, como essa sua alegação existe e só se reporta àquela data de 30/8/94 – pois a autora, e bem, prescindiu de argumentar com base numa putativa continuação dos danos – é por referência ao direito que ela assim desenha e exerce que temos de apreciar se ocorre a exceção perentória da prescrição. O que vale por dizer que, no juízo acerca da prescrição, partiremos da única hipótese a que a autora arrimou o seu suposto direito de crédito – a de que o prazo de 120 dias, de que o Infarmed dispunha para decidir nos termos do artigo 9.º do DL n.º 72/91, realmente terminara em 30 de sgosto de 1994. A ser assim, e ante o que se preceitua no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, é sobretudo de questionar se foi nessa mesma data que a autora “teve conhecimento do direito” de indemnização que ela crê competir-lhe em virtude da inação do Infarmed. Prima facie dir-se-ia que não, pois a mera passagem do prazo de 120 dias, sem a antecipada certeza de que o pedido merecesse deferimento, continuaria a não revelar a existência de danos (mesmo que numa extensão forçosamente indeterminada). Mas esta tese, que se reconduziria à ideia falaz de que o pedido dos autos radicava num “deferimento tardio”, não pode colher – como acima já dissemos. Na verdade, a questão do “conhecimento do direito” (conhecimento fundador do dies a quo do prazo prescri- cional) põe-se e resolve-se à luz da perspetiva que a autora assumiu no seu relacionamento com a Administração: se ela enunciou o seu pedido com seriedade e boa fé (que é o contrário de o fazer de modo astucioso ou temerário), é porque achava que tinha o direito (ao menos procedimental) de obter o respetivo deferimento; e, aliás, é assim que a autora nos apresenta o seu requerimento inaugurador do procedimento administrativo, pois clama nestes autos que tudo conduzia a que o Infarmed devesse rapidamente satisfazer os seus interesses, deferindo a pretendida comercialização. Deste modo, a perspetiva da autora era, ab initio , a de que tinha direito, e em prazo curto, ao deferimento pedido, sendo essa a razão por que o pediu. Daí que ela, logo que passou o prazo de 120 dias (ocasião que a autora situa em 30/8/94), pudesse constatar que a inércia do Infarmed violava os seus direitos e interesses e lhe trazia danos – ainda que, nesse momento, a extensão deles não se mostrasse determinável. Isto significa que a ora recorrente, mal se perfizeram os 120 dias sem que o Infarmed decidisse a sua pre- tensão (em 30 de agosto de 1994, como ela diz), tomou conhecimento dos pressupostos em que assentaria a
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