TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
397 acórdão n.º 97/14 cumprimento da lei – como sucedeu no caso em concreto ora em apreço. Não obstante a diversidade de situações poder ser ponderada pelo tribunal competente para conhecer da impugnação da sanção contra-ordenacional, quer para efeitos de determinação da aplicabilidade daquela norma agravadora às situações em que a pessoa colectiva adequa a sua conduta ao Direito, cumprindo o dever legal de apresentação do livro de reclamações, quer para efeitos de determinação da medida concreta da pena, em função da culpa manifestada, a verdade é que, quer num caso quer noutro, o bem jurídico violado é exactamente o mesmo, ou seja, a protecção dos consumidores consti- tucionalmente consagrada. Não cabendo ao Tribunal Constitucional – mas antes ao tribunal recorrido – definir qual a melhor interpre- tação daquele preceito legal, tendo em conta todos os bens jurídicos e valores constitucionalmente protegidos em confronto, compete-lhe, no entanto, avaliar se a interpretação normativa desaplicada nos autos se afigura (ou não) como contrária ao princípio da proporcionalidade (artigo 2.º da CRP). Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coi- mas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos /) , o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribu- nais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” [Fernanda Palma, “O legislador negativo e o intérprete da Constituição”, in O Direito , 140.º (2008), III, 523]. Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas colectivas, em 11 500 € , não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntá- rio de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucional- mente consagrados (artigo 60.º, n.º 1, da CRP). Conforme já supra notado, tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efectivas” e “dissuasoras”.» Acresce ainda que, tal como consta da declaração de voto aposta ao Acórdão recorrido – Acórdão n.º 313/13: “(…) tendo em atenção que a infração prevista no n.º 1 artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, atinge a sua consumação com a omissão de entrega imediata e gratuita do livro de reclamações ao consu- midor que o solicita, a conduta posterior à perfeição do ilícito contraordenacional reveste desvalor importante, na perspetiva da tutela do bem jurídico protegido, pois não só traduz persistência na recusa de cumprimento do dever legal imposto, como coloca o consumidor perante a necessidade de fazer intervir instâncias formais de controlo no local do litígio ou então suportar o ónus de formalizar ulteriormente (e com dificuldades acrescidas de prova) a sua reclamação. E, fundamentalmente, promove a escolha do consumidor pela via da desistência da reclamação, em função do maior esforço que sobre si (e sobre si apenas) recai. No plano da intervenção legislativa preventiva e contramotivadora da desobediência a dever legal, e da robustez do sistema protetor do direito do consumidor, a previsão de moldura sancionatória agravada no seu limite mínimo quando ocorra a mobilização de meios policiais para assegurar o simples fornecimento de livro de reclamações não se mostra injustificada, pois corresponde exatamente ao plus de desvalor que persiste após a consumação do ilícito contraordenacional de base.» Além disso, e continuando a citar a referida declaração de voto: «Não procede (…) o argumento de que o legislador deixa apenas na mão do consumidor o poder de desen- cadear o agravamento da moldura sancionatória, sem possibilidade do agente económico a tal obstar ou modu- lar o seu comportamento antes dessa iniciativa. Ciente que ao consumidor assiste a possibilidade de solicitar a intervenção policial, pode o agente económico configurar a sua estrutura organizativa por forma a que todas as
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