TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
39 acórdão n.º 176/14 aquele que admite ou nega a adoção por casais do mesmo sexo, não pode deixar de admitir ou negar que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo adote o filho do seu cônjuge ou unido de facto. Estando em causa apenas a capacidade para adotar, com a consequente constituição de uma dupla paternidade ou maternidade, responder não ao primeiro e sim ao segundo quesito (resposta não/sim), não só seria ilógico, porque não se poderia fazer tal raciocínio sem entrar em contradição, como constituiria um paradoxo que produz um resultado absurdo, ou no mínimo, uma situação que contradiz a intuição comum. De facto, o eleitor que responder não ao primeiro e sim ao segundo, emite a opinião de que os cônjuges ou unidos de facto do mesmo sexo devem adotar, quando, na verdade, pela resposta negativa que dá ao pri- meiro, transmite a mensagem de que não admite que a criança possa ter dois pais ou duas mães. A possibilidade de respostas contraditórias às questões colocadas surge porque a segunda pergunta contém uma proposição que, pela extensão do respetivo sujeito, abrange também a proposição contida na primeira. Os cidadãos eleitores ao não admitirem que um dos cônjuges pode adotar o filho do outro cônjuge, têm necessariamente de discordar que existam casais do mesmo sexo com filhos adotados e que, para todos os efeitos, existam crianças que têm dois pais ou duas mães. Ou seja, não concordam com a proposição: “alguns casais do mesmo sexo podem adotar”. Assim, se não concordam com a proposição “alguns casais do mesmo sexo podem adotar” e se na segunda questão respondem que concordam com a proposição “os casais ou unidos de facto do mesmo sexo podem adotar”, não o podem fazer sem entrarem em contradição, pois trata-se de proposições contraditórias que se eliminam entre si. Como se vê, também através de um racio- cínio dedutivo dialético facilmente se constata que uma resposta nesses termos é contraditória e paradoxal. De igual modo, a resposta afirmativa ao primeiro quesito e negativa ao segundo (resposta sim/não) também não garante que a vontade dos eleitores não possa ser falseada com a junção das duas perguntas. O termo «filho» constante da proposição do primeiro quesito exprime conceitos diferentes, como o de «filho biológico» ou de «filho adotivo». Por isso, nesse quesito pergunta-se se uma pessoa pode adotar o filho biológico ou adotado do cônjuge do mesmo sexo ou do companheiro do mesmo sexo com quem viva em união de facto. No caso da adoção do filho adotivo, o que diferencia o primeiro do segundo quesito é o facto de naquele se poder tratar de duas adoções singulares sucessivas e neste de uma adoção conjunta. Só que, do ponto de vista da capacidade para ser adotante e da constituição da homoparentalidade, a circunstância de se tratar de uma adoção singular sucessiva ou de adoção conjunta não é um fator juridicamente relevante, por- que num caso como no outro estará sempre em questão a partilha da parentalidade por ambos os cônjuges ou unidos de facto, do mesmo sexo. E assim sendo, as consequências lógicas da resposta afirmativa ao pri- meiro quesito e negativa ao segundo não são diferentes do resultado a que se chega com a resposta negativa ao segundo e afirmativa ao primeiro. No caso de responderem negativamente à segunda questão – “concorda com a adoção por casais ou uni- dos de facto do mesmo sexo” –, isso significa que admitem que “nenhum casal do mesmo sexo pode adotar”. Ora, se responderem em simultâneo que “alguns casais do mesmo sexo podem adotar”, que, como vimos, é o que resulta da resposta afirmativa à primeira pergunta, estão de igual modo a entrar em contradição. Um novo paradoxo, ainda mais absurdo, considerando a circunstância em que nesse caso já existe um filho adotivo a viver com um casal do mesmo sexo. Isto mostra claramente que, vistas as perguntas no seu conjunto, a resposta dissonante às questões refe- rendadas levaria também à ambiguidade do voto dos cidadãos eleitores, já que corresponderiam à afirmação de concordância com proposições contraditórias. A possibilidade da articulação das perguntas e da conjugação das respectivas respostas conduzir a resul- tados contraditórios e equívocos através de um raciocínio puramente lógico, mais facilmente permite com- preender o “efeito de arrastamento” de uma pergunta para a outra, quando analisadas no plano axiológico, como se faz no Acórdão. – Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro.
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