TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL juiz natural se associa à ideia de “impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional dis- criminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 84). Assim, e por referência à incidência do princípio do “juiz legal” no âmbito criminal, tem o Tribunal Constitucional entendido que o respeito pelo mesmo se basta com a designação e pré-determinação do juiz (e tribunal) competente de harmonia com critérios legais, gerais e abstratos, aprovados e em vigor à data da prática dos factos (cfr. o Acórdão n.º 614/03). A título de exemplo, no Acórdão n.º 74/12 concluiu-se pela não inconstitucionalidade do artigo 384.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, interpre- tada no sentido de que o juiz de instrução é competente para dar a concordância à suspensão provisória do processo, nos casos em que o arguido é apresentado para julgamento em processo sumário, e o Ministério Público entenda, com a concordância do arguido, que se justifica tal suspensão. Em densificação específica do princípio do juiz natural, disse-se neste aresto que, “encontrando-se definidos, no caso concreto e por lei anterior, as regras que permitem definir o tribunal (juiz) competente segundo características gerais e abs- tratas, dev[e] concluir-se pela observância do princípio (constitucional) do ‘juiz natural’ ou do ‘juiz legal’ […]”. E, no Acórdão n.º 21/10, o Tribunal afirmou que “o princípio do juiz legal ou do juiz natural […] visa garantir que nenhuma causa seja julgada por um tribunal criado ad hoc para esse efeito ou por um tri- bunal designado discricionariamente, devendo essa competência resultar da aplicação de normas orgânicas e processuais que contenham regras dirigidas à determinação do tribunal que há-de intervir em cada caso, segundo critérios objetivos”. Verifica-se, por conseguinte, relativamente ao caso em apreço, que um regime processual que faz derivar de critérios legais preexistentes a competência para a decisão de impugnações de despachos de não admissão do recurso proferidos na primeira instância observa as exigências constitucionais decorrentes do princípio do juiz natural. III – Decisão Pelo exposto, decide-se a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 700.º, n.º 3, e 689.º, n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Civil de 1961, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro, segundo a qual o despacho proferido pelo presidente do tribunal da relação que confirme a decisão de não admissão do recurso para aquele tribunal é definitivo, não podendo o mesmo ser objeto de reclamação para a conferência; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma). Lisboa, 22 de janeiro de 2014. – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.  Anotação: Os Acórdãos n. o s 614/03 e 243/13 e stão publicados em Acórdãos, 57.º e 87.º Vols., respetivamente.

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