TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
37 acórdão n.º 176/14 deste referendo acarretaria um resultado em si mesmo discriminatório, independentemente das valorações que se possam fazer relativamente à adoção por casais do mesmo sexo. Afigura-se, pois, que a possibilidade de tal acontecer põe em perigo a genuinidade do resultado do escrutínio referendário. 16. É da competência do Tribunal verificar ainda o requisito relativo ao universo eleitoral previsto nos artigos 115.º, n.º 12, e 223.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição. Em princípio, o direito de participação no referendo está limitado aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional (n.º 1 do artigo 115.º da CRP e n.º 2 do artigo 37.º da LORR). Mas o n.º 12 deste artigo prevê a possibilidade de participação no referendo dos cidadãos regularmente recenseados no estrangeiro ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 121.º, quando o referendo recaia «sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito». A remissão que se faz para esta última norma acaba por restringir o universo elei- toral referendário apenas aos cidadãos residentes no estrangeiro que mostrem a «existência de laço de efetiva ligação à comunidade nacional». Esta restrição constitucional configura assim, para efeitos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, um “princípio de diferenciação entre residentes e não residentes no que respeita à capacidade eleitoral ativa” e passiva (cfr. Acórdão n.º 320/89). Cabe, porém, ao Tribunal verificar, caso a caso, em que medida a matéria a referendar interessa especifi- camente aos cidadãos residentes no estrangeiro que mantenham uma efetiva ligação à comunidade nacional (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. Tomo II, p. 301). Nesta matéria, a densificação do conceito indeterminado “laços de efetiva ligação à comunidade nacio- nal” não pode ter por critério exclusivo a «vida organizada» em território nacional, pois, como refere Gomes Canotilho, «o não residente que investe, constrói a casa ou tem filhos a estudar em Portugal pode ter uma palavra a dizer» em determinadas matérias (cfr. Anotação, cit., p. 350). Um tal critério afigura-se tão limi- tativo que frustra o direito de participação no referendo, constitucionalmente reconhecido aos portugueses residentes no estrangeiro. Mas também os critérios da “alteração de fundo, no plano valorativo, da ordem jurídica nacional” ou da “alteração fundamental nos valores subjacentes à ordem jurídica nacional” (cfr. votos de vencido dos Conselheiros Cardoso da Costa e Mota Pinto no Acórdão n.º 288/98), são tão amplos e genéricos que vulneram o sentido percetivo daquele conceito. O que parece razoável é que se considere sobretudo às posições jurídicas subjetivas individuais que podem interessar (ou não) aos portugueses residen- tes no estrangeiro em consequência dos hipotéticos resultados do referendo. A proposta de referendo prevê apenas a participação dos «cidadãos eleitores recenseados no território nacional», colocando-se, portanto, a pergunta sobre se um referendo com este objeto poderá restringir desta forma o universo eleitoral. Ora, a matéria objeto do referendo respeita à possibilidade de constituição de relações adotivas por casais ou unidos de facto, do mesmo sexo, que podem residir no estrangeiro, tenham ou não o estatuto de emigrante. Nos termos do artigo 14.º da CRP, esses portugueses transportam consigo, além fronteiras, os direitos fundamentais que não sejam incompatíveis com a ausência do País. E daí que os direitos e princípios constitucionais, como o da igualdade (artigo 13.º), que possam ser convocados para admitir ou rejeitar a pos- sibilidade de coadoção e (ou) adoção conjunta por casais ou unidos de facto do mesmo sexo, é um domínio material que lhes interessa especialmente. E interessa, porque a constituição da filiação adotiva está submetida à «lei pessoal» do adotante, pre- vendo-se ainda que, «se a adoção for realizada por marido e mulher (não se prevê os casais ou unidos de facto do mesmo sexo) ou o adotando for filho do cônjuge do adotante, é competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na falta desta, a lei da sua residência habitual comum; se também esta faltar, será aplicável a lei do país com o qual a vida familiar dos adotantes se ache mais estreitamente conexa» (cfr. n. os 1 e 2 do artigo 60.º do Código Civil). Ora, o dilema colocado pelas perguntas referendárias, que interpela os eleitores quanto a uma solução inexistente na ordem jurídica portuguesa, é um assunto que também interessa aos portugueses e comunida-
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=