TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
369 acórdão n.º 82/14 tação de tais direitos. Considerou-se, então, que quando a atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação; mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já tivesse sido objeto de controlo jurisdicional, então não seria em todos os casos constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n. os 44/08 e 197/09). Por outro lado, fora do âmbito em que se considera constitucionalmente imposto que o legislador ordinário consagre um segundo grau de jurisdição, se este decidir prever esse segundo grau em determinadas situações, daí não se segue que o legislador tenha irrestrita liberdade na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equi- tativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/09). Como se referiu no Acórdão n.º 628/05, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legis- lador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressu- põe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 1229/96 e 462/03).» Movemo-nos, portanto, num espaço que a Constituição reserva à intervenção, por excelência, do legis- lador democrático, marcada por uma ampla liberdade de conformação, pelo que a justiça constitucional ape- nas poderá intervir se concluir que o legislador violou os limites de tal liberdade. Um desses limites externos consubstancia-se na proibição de soluções discriminatórias, funcionando aqui o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo do legislador. Ora, segundo a recorrente, a dimensão normativa que ora se aprecia, traduzida na inimpugnabilidade da decisão do presidente da relação que confirme a não admissão do recurso, configura uma violação do princípio da igualdade porque trata situações idênticas de modo diferente, uma vez que, relativamente ao mesmo requerimento de recurso, a via recursória prevista diverge consoante o juiz de primeira instância decida admitir ou não admitir o recurso. 11. É fácil de perceber que, no caso sub iudicio – que respeita ao regime processual civil anterior à Reforma de 2007 – e contrariamente ao sustentado pela recorrente, não estamos perante um tratamento divergente de duas situações idênticas, uma vez que se trata de duas factualidades claramente distintas: num caso, o requerimento de recurso é recebido e admitido pelo juiz de primeira instância e posteriormente rejei- tado pelo relator no Tribunal da Relação; no outro, o requerimento de recurso é logo rejeitado na primeira instância. Falha desde logo uma das premissas iniciais do raciocínio da recorrente quanto à violação do prin- cípio da igualdade e à acusação de arbitrariedade da medida legislativa. E é a divergência existente entre as duas hipóteses que predetermina – de modo, aliás, coerente e perfeitamente racional – a diferente disciplina legislativa para os casos de impugnação das duas decisões judiciais. É que num dos casos, sendo o recurso admitido pelo juiz a quo e posteriormente rejeitado pelo relator no tribunal ad quem , o duplo grau de jurisdição quanto à decisão de inadmissibilidade apenas é efetivável por via da reclamação para a conferência. O mesmo se diga relativamente à decisão do presidente em sede de reclamação que, admitindo o recurso, não assume caráter definitivo uma vez que, nos termos do artigo 689.º, n.º 2 (na redação aplicável), pode ser afastada pelo tribunal ad quem . Já no outro caso, sendo ambas as decisões no sentido da rejeição do recurso, o duplo grau de jurisdição é devidamente satisfeito com a apreciação inicial pelo juiz a quo e a posterior intervenção do presidente do tribunal superior. Não se pode concluir, por conseguinte, pela existência de qualquer violação do princípio da igualdade pelo facto de existir tratamento desigual de situações idênticas ou de se tratar de solução legal arbitrária.
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