TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
362 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de recurso, numa situação, a possibilidade de sindicar a sua pretensão junto de um tribunal coletivo, e noutra, destituindo-o dessa possibilidade, é ainda inconstitucional face às garantias de acesso ao direito, bem como aos princípios do juiz natural e do primado da tutela jurisdicional previstos na Constituição. Com efeito: 9.ª O regime previsto no artigo 700.º, n.º 3 do CPC, vigente desde 1996, confere ao recorrente, como se disse, a possibilidade de, no caso de o recurso ser admitido pelo tribunal de primeira instância, mas rejeitado pelo relator ao abrigo do artigo 689.º, requerer que sobre a referida rejeição recaia um acórdão. 10.ª Assim, ao recorrente, num caso como este último descrito, é sempre assegurada uma dupla jurisdição relati- vamente ao requerimento de interposição de recurso, bem como a possibilidade de sujeição desse requerimento à apreciação por um tribunal coletivo, sendo que, sem que haja qualquer alteração dos pressupostos de recorri- bilidade da decisão do juiz a quo, já assim não será no caso de o Presidente do Tribunal da Relação indeferir a reclamação deduzida pelo recorrente, ao abrigo do artigo 688.º do CPC. 11.ª Ora, constituindo o acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição, uma garantia de defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos, a possibilidade de rejeição de um recurso interposto perante um tribunal superior só se coadunará com aquele preceito se for garantido ao recorrente que é esse mesmo tribunal, em coletivo – tal como a lei o institui –, o órgão com a última palavra sobre a admissibilidade do recurso. 12.ª Se assim não for – como sucedeu no caso sub judice , porquanto, interposto recurso de apelação, a admissibili- dade do mesmo apenas foi apreciada por órgãos singulares –, não estará devidamente garantida à parte processual a possibilidade de recorrer da decisão em causa – sendo certo que se trata de uma decisão que reúne todos os pres- supostos de recorribilidade – uma vez que, tal como sucede com a exceção consagrada no n.º 3 do artigo 700.º do CPC, o mesmo apenas se poderá socorrer de uma mera reclamação deduzida perante um órgão singular. 13.ª Afirma-se no douto despacho ora recorrido que a garantia de acesso ao direito “consiste no direito a ver solucio- nados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade, no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista, designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade”. 14.ª Não discordando de tal afirmação, a verdade é que as normas cuja inconstitucionalidade ora se suscita impe- dem que tal direito seja assegurado. Com efeito: 15.ª Ao determinar que a reclamação prevista no referido artigo 688.º (na versão aplicável ao caso sub judice ), apenas pode ser apreciada por uma pessoa que à partida já está determinada – a pessoa que no momento concreto ocupar o cargo de presidente do tribunal para o qual se recorre –, é o próprio regime consagrado que viola, além do princípio do acesso ao direito, o princípio do juiz natural, ínsito na CRP, uma vez que o referido preceito determina que todos os requerimentos de interposição de recurso adstritos a uma determinada circunscrição territorial, caso sejam rejeitados, sejam posteriormente apreciados pela mesma pessoa, em sede de uma reclamação que, embora o seja, constitui o último meio ao alcance do recorrente para ver apreciada a validade do seu requerimento de inter- posição de recurso, sendo certo que é a própria lei que prevê a possibilidade de, em casos análogos – como no caso
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