TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

35 acórdão n.º 176/14 de 28 de outubro de 1998). No caso Gas e Dubois vs. França (acórdão de 31 de agosto de 2010), considerou que a comunidade de vida estabelecida entre duas mulheres e o filho biológico de uma delas, concebido por recurso aos métodos de procriação médica assistida constituía “vida familiar” para os efeitos do artigo 8.º da CEDH, tendo em conta a relação estável que se havia formado entre os três com o decurso do tempo; e no caso X e outros vs. Áustria (acórdão de 19 de fevereiro de 2013), considerou que a negação do vínculo jurídico da adoção de filho de unido de facto do mesmo sexo afetava não só o candidato a adotante, mas ainda a criança, que, por força da simples orientação sexual da mãe e unida de facto, ficava privada de ver a sua ligação efetiva e afetiva com esta última reconhecida juridicamente, o que não acontece com um casal de sexo diferente. Realmente, pode questionar-se se a comunidade de vida entretanto estabelecida entre a criança e o cônjuge ou unido de facto do seu pai ou mãe constitui uma verdadeira relação familiar e se essa relação pode justificar e explicar a parentalidade por dois pais ou por duas mães. A consulta referendária poderá servir assim para que os cidadãos eleitores possam emitir a sua opinião sobre se a adoção nessa situação corresponde ou não à melhor forma de salvaguardar o interesse superior da criança (cfr. artigo 1974.º do Código Civil). Como o superior interesse da criança é um imperativo que exige que se conceda ao adotando uma adequada inserção familiar que lhe proporcione um desenvolvimento físico, intelectual e moral, acrescido de uma razoável expectativa de felicidade pessoal, os cidadãos eleitores terão que compreender e decidir se a adoção de crianças já inseridas numa família cujos pais ou mães são do mesmo sexo deixa incólume aquele interesse. Por aqui se vê que, na primeira pergunta referendária, o interesse da criança em ser adotada por aquela pessoa em concreto pode ter um peso que não se manifesta com a mesma intensidade na segunda pergunta, pois o interesse da criança também pode consistir «na verdade sociológica ou afetiva por ela vivida» (cfr. Maria de Clara Sottomayor, “Adoção ou o direito ao afeto. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2004, Rev. 04A3795», in Scientia Ivridica, Tomo LIV, n.º 301, janeiro/março 2005, p. 129). 15.4. Já a segunda pergunta não realiza ou manifesta em si a mesma valoração, porque aí se questiona a adoção de uma criança por duas pessoas do mesmo sexo, sem que algum dos membros do casal seja titular da parentalidade do adotando. Enquanto, no caso da primeira pergunta, por variadas razões, a criança já terá entretecido relações fami- liares com o cônjuge ou unido de facto do seu pai ou mãe, caso em que se poderá discutir se a adoção salva- guarda o interesse superior da criança, na questão colocada na segunda, a criança não é filha de nenhum dos membros do casal, nem pré-existe uma situação de convivência de facto que possa vir a ser reconhecida como juridicamente relevante. Trata-se apenas de uma adoção conjunta, simultânea, ex nihilo de uma criança que não é filha de nenhum dos membros do casal. Perante tal diferença, pode aceitar-se que os interesses do adotando assumam relevância jurídica dife- rente. A existência de um caso real já consumado, com a integração da criança numa união familiar de pessoas do mesmo sexo, conjugal ou de facto, pode ter diferente valoração relativamente às situações em que nunca existiu uma tal vivência. Desde logo, o «direito a constituir família» reveste contornos diferentes, uma vez que nem a Constituição nem a CEDH reconhecem «um direito a adotar» como decorrência do direito a constituir família (Acórdãos n. os 320/00 e 551/03). Depois, a proteção do superior interesse da criança não reveste aqui a mesma configuração que na primeira questão. Na primeira questão, pode valorar-se prima- cialmente o interesse da criança em estabelecer relações jurídicas com um dos seus cuidadores, enquanto que na segunda estão em causa primacialmente os interesses de casais do mesmo sexo em poder aceder à possi- bilidade de adotar crianças. Nesta, sendo também convocável, em abstrato, o interesse superior da criança, esse interesse não reveste aqui os mesmos contornos que na primeira. Com efeito, na segunda questão, ele traduzir-se-á, em geral, no interesse em ser adotado por quem lhe proporcione as condições adequadas para o seu desenvolvimento são e integração familiar, não relevando de uma ligação a um núcleo familiar prévio. Em suma: na primeira questão existe uma família de facto já constituída, enquanto a segunda se pre- tende constituir uma família ex novo . Assim, nesta segunda questão já não estará em causa o interesse do

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