TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 69. A douta decisão recorrida baseou-se num equívoco com duas faces, a saber, o de que as normas desaplicadas se reconduziam ao domínio do regime geral de punição dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo, e o de que toda a matéria da regulação dos ilícitos de mera ordenação social se encontraria, por aplicação do disposto na alínea d) , do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), incluída no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. 70. O Tribunal Constitucional, contudo, já teve ocasião de se pronunciar sobre esta matéria, contrariando aquelas conclusões, nomeadamente no seu Acórdão n.º 175/97, declarando que, “Conforme exposto, o Tribunal reafirma que o Governo tem competência – concorrente com a da Assem- bleia da República –, para definir, alterar e eliminar contraordenações, e bem assim para modificar a sua punição; mas só mediante autorização legislativa parlamentar pode estabelecer coimas com valores mínimos inferiores aos limites mínimos previstos na lei-quadro, ou com valores máximos superiores aos limites máximos nela fixados. Já pode, contudo, sem necessitar de autorização parlamentar, estabelecer valores mínimos superio- res aos limites mínimos da lei-quadro, desde que inferiores aos correspondentes limites máximos”. 71. Ora, tendo o Governo uma competência concorrente com a da Assembleia da República para legislar, e existindo um regime geral das contraordenações anterior às publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 233/2004, de 14 de dezembro, a saber o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as várias alterações introduzidas até às da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro; era no quadro e no respeito deste regime legal gené- rico que o Governo tinha a liberdade de exercer a sua competência legislativa. 72. Ou seja, tinha o Governo a competência própria, concorrente com a da Assembleia da República, para criar tipos de ilícito de mera ordenação social e estabelecer as respetivas coimas, desde que obedecendo ao quadro geral definido pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, nomeadamente ao disposto no seu artigo 17.º quanto aos limites dos montantes das coimas. 73. Dito isto, cabe apreciar se as normas, cuja aplicação foi recusada, se podem classificar como normas criado- ras de tipos de ilícito de mera ordenação social e estabelecedoras de sanções pela sua prática. 74. Sendo certo que as normas incluídas no artigo 26.º respeitam, indubitavelmente, ao domínio do ilícito de mera ordenação social, ao menos por aplicação de um critério meramente formal, a saber, o da punição dos ilícitos com a aplicação de uma coima, já no que concerne às normas impressas nos artigos 25.º e 25.º-A, o critério meramente formal não nos esclarece sobre a natureza do ilícito neles previsto e punido. 75. Apesar disso, há que concluir que também elas se reportam, materialmente, ao domínio do ilícito de mera ordenação social, uma vez que o critério da distinção pela mera cominação de uma coima tem uma natureza formal e não tem sede constitucional. 76. Ora, sobre esta matéria, o Tribunal Constitucional já teve ocasião, no seu Acórdão n.º 308/94, citando J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, de se pronunciar sobre a questão, afirmando que, “Ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que subsistirem (ou que forem ex novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social). Ora, dúvidas não restam que, no caso vertente, não deparamos com uma infração com a ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza criminal. E, assim sendo, e também porque lhe não corresponde qualquer sanção privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido há de ser o correspondente às contraordenações, para as quais a Constituição não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar”.
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