TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

336 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É, portanto, a esta luz – da não consagração constitucional do direito a um 2.º grau de jurisdição neste domínio, por um lado, e da proibição do arbítrio no estabelecimento do critério de recorribilidade, quando o legislador opte por abrir a possibilidade de recurso, por outro – que importa analisar o critério normativo adotado no artigo 258.º, n.º 4, do CIRE ao impedir o devedor de recorrer da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor. Com efeito, se for proferida decisão de sentido inverso, i.e., a conceder provimento ao pedido de suprimento da vontade de alguns credores, estes podem recorrer daquela decisão. Importa, assim, verificar, se a norma em apreciação respeita o princípio da igualdade na garantia do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 13.º da Constituição). Nesta apreciação deve-se regres- sar à razão de ser do instituto em que se enquadra a norma em análise. E esta é o plano de pagamentos aos credores. 16. Sendo para satisfação dos direitos dos credores que a lei prevê a apresentação de plano de paga- mentos por parte do devedor (artigo 251.º do CIRE), compreende-se que a admissibilidade deste plano de pagamentos dependa da aprovação daqueles. A oposição de alguns credores pode ser suprida por decisão do juiz. Mas, este suprimento está também limitado pela verificação de determinados requisitos previstos na lei, designadamente no artigo 258.º, n.º 1, do CIRE. Desde logo, se o plano não for aceite pela maioria quali- ficada de dois terços do valor total dos créditos, o juiz não pode suprir a aprovação dos credores oponentes. Pelo contrário, se nenhum credor recusar o plano de pagamentos ou a oposição de alguns (não podendo representar mais de um terço do valor total dos créditos), for objeto do necessário suprimento judicial, o plano é tido por aprovado. Neste caso, a modalidade de satisfação dos respetivos créditos é imposta aos cre- dores oponentes, o que justifica o direito destes ao recurso, expressamente acautelado no artigo 259.º, n.º 3, do CIRE. Ao negar o recurso da decisão que indefira o pedido de suprimento da vontade de qualquer credor, a norma em análise não institui diferença de tratamento entre os devedores e os demais credores que deram a sua aprovação ao plano de pagamentos. O recurso é vedado tanto ao devedor como aos credores que aprova- ram o plano. A diferença surge apenas na permissão de recurso aos credores oponentes do plano cuja vontade é suprida pela decisão judicial. Ora, do regime legal descrito decorre que a decisão judicial de suprimento da aprovação do plano de pagamentos, e sua consequente homologação, coloca os credores oponentes numa posição processual par- ticular que não encontra paralelo nem na posição dos demais credores, que deram o seu assentimento ao plano, nem na posição do devedor que o propôs. Tão-pouco existe paralelo com a posição jurídico-processual que para o devedor deriva do indeferimento do pedido, por si apresentado, de suprimento da aprovação de alguns credores. É que neste caso, o processo de insolvência segue os seus termos normais, gozando os devedores de todos os direitos previstos no CIRE, entre os quais se conta, designadamente, o direito de recorrer da decisão que vier a declarar a insolvência. Diferentemente dos credores, cuja oposição ao plano de pagamentos é suprida por decisão do juiz (e, nessa medida, veem o seu direito de crédito modelado ou restringido contra a sua vontade), o devedor, que não veja deferido o pedido de suprimento da vontade dos credores oponentes do plano, não sofre qualquer alteração na sua esfera de direitos com a decisão de indeferimento. Esta diferença afasta a verificação de arbítrio no reconhecimento de direito ao recurso apenas aos pri- meiros, não se apresentando como discriminatória a diferença de tratamento assinalada. O legislador limi- tou-se a instituir vias de solução diferentes para situações também elas diferentes, abrindo o acesso ao recurso apenas àqueles a quem a decisão judicial (neste caso de suprimento de vontade) impõe uma restrição na sua esfera de direitos. Não há, assim, um tratamento discriminatório na norma em análise que desrespeite o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição).

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