TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
333 acórdão n.º 69/14 cional a consagrar “a dupla instância” ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades e garantias, mesmo fora do âmbito penal, apresenta-se como garantia imprescindível desses direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva (...)”. Referem ainda Jorge Miranda e Rui Medeiros (em Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, p. 200, da edição, de 2005, da Coimbra Editora) o seguinte: “A plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a proteção dos interessados contra os próprios atos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso. É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos “patamares” de recurso (…). O Tribunal Constitucional reconhece, no entanto, que – por força dos artigos 27.º, 28.º, e 32.º, n.º 1 – a exigência de um duplo grau de jurisdição (…) está constitucionalmente consagrada no âmbito do processo penal, não relativamente a todas as decisões proferidas, mas em relação às decisões condenatórias do arguido (…) bem como às decisões respeitantes à situação do arguido em face da privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais (…). Conclusão análoga – sustentada, em termos ainda assim não inteiramente coincidentes, mais por parte da doutrina do que pela jurisprudência dominante (…) deve admitir-se relativamente às decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias (ou, pelo menos, em face da preocupação consti- tucional, subjacente ao artigo 20.º, n.º 5, em assegurar a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais, em relação às decisões jurisdicionais que restrinjam tais direitos). A conclusão baseia-se na analogia com a situação consagrada em matéria de restrições à liberdade e é coerente com o princípio do caráter restritivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias, que se extrai do artigo 18.º, n.º 2 e 3.”». 11. Importa aludir ainda a um outro limite que se impõe à liberdade de conformação do legislador em matéria de direito ao recurso em processo civil, decorrente do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. Como o Tribunal tem também reitera- damente sublinhado, no processo civil, o que a lei tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. Contudo, se abrir o acesso à via judiciária em mais que um grau, tem de fazê-lo igualmente com respeito a todos, sem qualquer discriminação (cfr. Acórdãos n. os 360/05 e 163/90). A ampla margem de discricionariedade concedida ao legislador na conformação do direito ao recurso em processo civil tem como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminató- rios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão n.º 202/99). 12. Na análise a empreender da conformidade constitucional do critério normativo adotado importa começar por sublinhar que a finalidade do processo de insolvência é a satisfação dos credores (artigo 1.º do CIRE). Como acima se começou por referir, a especialidade do regime específico da insolvência dos devedores não empresários ou titulares de pequenas empresas reside na possibilidade de apresentação pelo devedor de um plano de pagamento aos seus credores.
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