TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
331 acórdão n.º 69/14 Da sentença que declara a insolvência cabe recurso nos termos gerais de acordo com o disposto nos artigos 14.º e 15.º do CIRE (regendo-se o processo de insolvência pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE – vide artigo 17.º do CIRE). 10. Recordado o regime infraconstitucional cumpre analisar a sua conformidade com a Lei Fundamen- tal, na parte objeto do presente recurso. Constitui princípio geral do nosso ordenamento jurídico a recorribilidade das decisões judiciais. Con- tudo, a lei impõe certos limites objetivos à admissibilidade dos recursos, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos e a sua repercussão económica para a parte vencida. O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência a afirmar a ampla margem de discricionarie- dade reconhecida ao legislador na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos em processo civil, domínio em que, com ressalva para a matéria de direitos, liberdades e garantias, a Constituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição. Existem, todavia, limites a observar pelo legislador ordinário na conformação do direito ao recurso, mesmo em processo civil. Desde logo, um limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores a implicar a inadmissibilidade da eliminação total da faculdade de recorrer em qualquer caso (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 328/12, disponível, como todos os Acórdãos do Tribunal Constitucional adiante citados, in www.tribunalconstitucional.pt com remissão para o Acórdão n.º 44/08, cuja desenvolvida análise sobre o direito ao recurso merece ser aqui recordada, nas partes pertinentes: «(…) Importa saber o que está em causa quando se fala em direito ao recurso. A propósito do processo civil, ensinava Paulo Cunha ( Processo Comum de Declaração , 2.º Vol., pp. 368 e 376 e segs., edição, de 1944, de Augusto Costa) que os recursos são os meios de impugnação da sentença que consistem em se procurar a eliminação dos defeitos da sentença injusta ou inválida por devolução do julgamento a outro órgão da judicatura hierarquicamente superior, ou em se procurar a correção de uma sentença já transitada em julgado.(…) Um olhar minimamente atento sobre as regras que conformam a extensão da recorribilidade no âmbito das diferentes jurisdições permite chegar à conclusão de que a regra geral adotada pelo legislador ordinário no nosso sistema processual é a da recorribilidade das decisões judiciais para instâncias superiores. Essa tem sido aliás a orientação geral dos diversos sistemas jurídicos desde a introdução da appelatio do direito processual romano, apesar da existência de tribunais de recurso hierarquicamente superiores não deixar de suscitar opiniões críticas, sobretudo em épocas de “revolução” (referenciando estas críticas, vide Armindo Ribeiro Mendes, em Direito processual civil III – Recursos , pp. 121-123, da edição da AAFDL, de 1982). Contudo, olhando a Constituição, não vemos nenhum preceito que consagre expressamente, em termos gené- ricos, o direito a um duplo grau de jurisdição. A Revisão Constitucional de 1997 procedeu somente à alteração do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, auto- nomizando expressamente o recurso no contexto das garantias de defesa do arguido que o processo penal deve assegurar. Este direito ao recurso, como garantia de defesa, tem sido identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penas respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fun- damentais. Ao mesmo tempo que isso é reconhecido, não se deixa igualmente de afirmar que a Constituição não assegura o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, havendo assim de admitir-se que a faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certas decisões, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. (…)
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