TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

33 acórdão n.º 176/14 Contudo, deve referir-se que ao Tribunal Constitucional «não cabe averiguar se a pergunta se encontra formulada da melhor maneira, mas tão-só certificar-se que ela ainda satisfaz adequadamente as exigências constitucionais e legais, o que se afigura ocorrer no caso sub judicio » (Acórdão n.º 288/98). Daquele prin- cípio, mais do que uma exigência de correção gramatical, decorre fundamentalmente a ideia da «necessária simplicidade da formulação, da exata delimitação do objeto e da inequivocidade de sentido da pergunta ou perguntas contidas na proposta referendária, todas elas aferíveis por um eleitor médio» (cfr. Maria Benedita Urbano, “Os Limites Materiais à (IR) Realização do Referendo de Âmbito Nacional”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 4, p. 23). E nesta análise, independentemente dos esclarecimentos que possam vir a ser prestados na campanha referendária, não se pode dizer que cada um dos quesitos formulados não compreende os meios enunciativos necessários para que se tornem autonomamente compreensíveis. A formulação utilizada em cada quesito é desprovida de pontos dúbios, ambiguidades ou obscuridades, dando a conhecer ao eleitor médio inserido no contexto cultural português qual o sentido preciso de cada um deles. E também do ponto de vista da conformidade com o princípio da objetividade, «que implica a proibição de juízos de valor implícitos aos quesitos ou sugestões sobre o sentido das respostas» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 105), pode afirmar-se que os quesitos referendários isoladamente considerados são neutros. Para além do significado natural que cada cidadão pode retirar dos lexemas usados, sem prejuízo de haver diferentes leituras da mesma realidade, a verdade é que, na vertente da objetividade, cada uma das perguntas está desprovida de quaisquer referências valorativas, de juízos de valor, induções, conclusões ou considerações subjetivas, que pressionem ou induzam o eleitor a votar num determinado sentido. 15.2. Todavia, se atendermos a que o referendo tem duas perguntas simultâneas, a aferição da confor- midade com o disposto no n.º 6 do artigo 115.º da CRP e do n.º 2 do artigo 6.º da LORR, implica também que se ajuíze se essas normas são respeitadas pela articulação entre si das duas questões em causa e pela con- jugação das respostas que lhe podem ser dadas. Como já se referiu, o tema genérico do referendo consiste no acesso à parentalidade, através da adoção, por casais do mesmo sexo, matéria sobre a qual, por razões culturais, civilizacionais, sociológicas, éticas e científicas, não existe consenso, estando apenas admitida na lei a adoção por casais de sexo diferente. A con- sulta referendária visa obter dos cidadãos uma opinião sobre a admissão ou negação da adoção de menores por parte dessas comunidades familiares. Se qualquer das respostas às perguntas formuladas for afirmativa, com efeito vinculativo, pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa passa a ser reconhecida a existência de duas paternidades e de duas maternidades, alterando-se o atual paradigma da “parentalidade”. As duas perguntas referendárias têm em comum a possibilidade de casais do mesmo sexo adotarem uma criança, num caso de forma sucessiva ou assente em filiação biológica do cônjuge ou unido de facto e nou- tro conjuntamente, a qual, em virtude de tais atos, passará a ter dois pais ou duas mães. Mas, apesar disso, a formulação autónoma das perguntas tem justificação na diferente valoração que é possível encontrar em cada uma delas. As perguntas envolvem ou traduzem valorações sobre a possibilidade da coadoção ou adoção conjunta por casais do mesmo sexo. Em relação aos interesses dos candidatos à adoção, pode estar em causa a proibi- ção da discriminação em função da orientação sexual (artigo 13.º da CRP) ou o direito a constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP); e em relação aos interesses dos adoptandos, pode convocar-se a direito à pro- teção da criança, com vista ao seu desenvolvimento integral (artigos 69.º da CRP), a identidade pessoal e o desenvolvimento da sua personalidade (artigo 26.º da CRP), o direito à integração numa família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP) e o equilíbrio afetivo e axiológico da criança. As perguntas referendárias estão pensadas e formuladas verbalmente tendo em vista o «direito à ado- ção» por casais do mesmo sexo. Mas o valor pressuposto em cada um dos quesitos distingue-se em função da situação parental e familiar em que o adotando se pode encontrar no momento da adoção: enquanto na situação a que se refere a primeira pergunta a criança já vive numa família homoparental, na segunda não.

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