TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL L. E, mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, tal eventualidade, nunca tal recurso poderia incidir sobre o indeferimento do pedido de suprimento, pois tal análise estaria sempre coartada pelo disposto no artigo 258.º n.º 4 do CIRE. M. Deve ser sempre assegurado um grau de recurso em todas as decisões que não se perfilhem como de mero expediente, como é o caso sub judice , para além de que na situação expressa no artigo 259.º n.º 3, do CIRE, está prevista a possibilidade de interposição de recurso da sentença homologatória do plano de pagamentos por parte de credores e independentemente do seu valor, N. Facto que configura uma manifesta violação do princípio da igualdade, pois, por um lado não é permitido aos devedores recorrer da decisão de não suprimento da aprovação dos credores que fará desmoronar o modus vivendo do seu agregado familiar, com todos os traumas daí decorrentes e que na pratica significa a não homo- logação do plano de pagamentos por si apresentado, O. Ora, com o devido respeito, a desigualdade é patente, estando assim o artigo 258.º, n.º 4, do CIRE, ferido de manifesta inconstitucionalidade. P. Com efeito, ponderados os valores que se encontram em causa, por um lado a VIDA e o modus vivendi de um agregado familiar com filhos menores e, por outro lado, um mero crédito reclamado a ser ou não ressarcido, não se entende e não se pode aceitar, à luz da mais elementar noção de Justiça, a disparidade de tratamento entre Devedores e os credores. Q. Assim sendo, forçoso será concluir que não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine simplesmente a possibilidade de recurso no caso em apreço! R. No sentido da inconstitucionalidade da não possibilidade de recurso já esse Tribunal se pronunciou num Acórdão proferido com o n.º 360/05, que determinou que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, o acesso a um grau de jurisdição. S. Mas, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem o legislador que abrir a todos também essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça em qualquer discriminação, conforme decorre do Acórdão desse mesmo Tribunal, proferido em 23 de maio de 1990, com o n.º 163/90. T. Acrescenta, ainda esse Tribunal Constitucional, em Acórdão proferido em 6 de abril de 1999, com o n.º 202/99, que a margem de discricionariedade que o legislador ordinário tem, contudo, como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material, de forma a assegurar a manutenção do princípio da igualdade. U. Finalmente, a disparidade de tratamento, supra exposta, viola frontalmente o artigo 13.º, n.º 1, da Constitui- ção da República Portuguesa quando esta refere que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. V. De igual forma, tem-se por violado o disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Diploma Fundamental quando este dispõe que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. W. E, finalmente, encontram-se violados os n. os 4 e 5, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa quando enunciam que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” e que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. X. Assim e em consequência impõe-se a apreciação e análise do teor do aludido artigo 258.º, n.º 4, do CIRE, concluindo-se pela sua evidente e manifesta inconstitucionalidade. Y. Não devendo o recurso interposto pelo Ministério Público merecer provimento, devendo, consequentemente, ser declarada a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 258.º, n.º 4, do CIRE.» Cumpre apreciar e decidir.
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