TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
321 acórdão n.º 68/14 Estas considerações valem, mutatis mutandis , para as garantias dos administrados e dos contribuintes, vertidas no artigo 268.º da CRP, entre elas o direito de impugnar quaisquer atos administrativos que os lesem (cfr. o n.º 4 do artigo 268.º da CRP). Ponto é que esse regime delimitativo não brigue com as exigências do princípio da proporcionalidade que se impõe, nos termos do artigo 2.º da CRP a toda a actividade estadual incluindo ao exercício do poder legislativo. Assim sendo, a imposição, pelo legislador, de um prazo de 15 dias para efeitos de caducidade do direito de impugnação contenciosa só será inconstitucional, por banda dos parâmetros ora referidos, se tal imposi- ção se revelar ostensivamente excessiva e desrazoável, por inexistirem razões que a justifiquem, ou se inviabi- lizar ou tornar particularmente oneroso o exercício do direito em causa (cfr. o Acórdão n.º 92/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . 7. Ora, enquanto concretização do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, o processo tributário tem por função “a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e interesses em matéria tributária” (Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário , Almedina, 2012, p. 241). Tendo presente que os atos tribu- tários quanto à fixação dos direitos dos contribuintes são, à partida, definitivos (cfr. artigo 60.º do CPPT), podem aqueles optar pela sua imediata impugnação judicial ou, em alternativa, lançar mão dos meios impug- natórios administrativos, maxime , da revisão dos atos tributários (cfr. artigo 78.º da Lei Geral Tributária), da reclamação graciosa (cfr. artigo 68.º do CPPT) e do recurso hierárquico (cfr. artigos 66.º e 67.º do CPPT). O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por inicia- tiva do contribuinte, incluindo, nos termos da lei, os substitutos e responsáveis. Trata-se, no essencial, de um procedimento simples, que pode ser desencadeado por escrito ou oralmente (em casos de manifesta simpli- cidade), com qualquer dos fundamentos da impugnação judicial (cfr. artigos 70.º, n.º 1, e 99.º do CPPT). A sua dedução não suspende os efeitos do ato tributário, salvo quando for prestada garantia adequada [cfr. artigo 69.º, alínea f ) , do CPPT], e deverá ocorrer no prazo de 120 dias contados a partir da verificação dos factos previstos no artigo 102.º, n.º 1, do CPPT, salvo quando o fundamento invocado for a nulidade, caso em que poderá ser deduzida a todo tempo (vide Rui Duarte Morais, ob. cit. , p. 180). Este prazo é conside- rado pela doutrina uma solução “pouco coerente” por exceder o prazo geral de impugnação judicial de atos tributários, que é de 90 dias (vide Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal – Teoria Geral, Imprensa da Univer- sidade de Coimbra, Coimbra, 2013, p. 219). Ou seja, esgotado o prazo de 90 dias, permanece em aberto a faculdade de reclamação graciosa, a qual, por sua vez, reabre a via da impugnação judicial à partida fechada. Porém, subsistem outras “incongruências” sistémicas no que concerne as ligações entre os meios de reação administrativa e judicial aos atos tributários. Senão vejamos. Como se disse, o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT estatui que a impugnação judicial do ato tributário, na sequência de decisão expressa de indefe- rimento de reclamação graciosa, deverá ocorrer no prazo de 15 dias contados da respetiva notificação. No entanto, o decurso deste prazo não preclude, em definitivo, o recurso à via judicial, visto que o contribuinte pode, no prazo de 30 dias contados daquela notificação, interpor recurso hierárquico, dispondo, em caso de indeferimento expresso ou tácito deste recurso, de novo prazo de 90 dias para impugnar judicialmente o ato tributário [cfr. artigos 76.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, alínea e) , do CPPT]. A articulação destes preceitos é encarada com enorme perplexidade pela doutrina fiscalista, que a qua- lifica como “lamentável” e “absurda” (vide, entre outros, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. 1, Áreas, 2006, p. 732, e Rui Duarte Morais, ob. cit. , p. 293). Tal perplexidade reside no facto de a fixação de prazos de caducidade do direito de impugnação contenciosa constituir “um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anu- lado o ato que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias”. Por conseguinte, o estabelecimento de um prazo “inferior ao que seja necessário para assegurar os interesses da segurança jurídica poderá mesmo considerar-se inconstitucional, por violação dos
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