TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos sentidos possíveis de resposta à questão cuja resolução é devolvida diretamente aos cidadãos» (Acórdãos n.º 360/91, n.º 288/98, n.º 704/04 e n.º 617/06). E daí que seja proibida, em termos absolutos, «a formu- lação de perguntas referendárias que preconizem respostas diferenciadas, intermédias e condicionais. A res- posta dos eleitores terá que traduzir-se na aceitação, numa adesão a uma solução, ou inversamente na recusa, na rejeição dessa mesma solução» (M. Benedita M. Pires Urbano, ob. cit. , p. 204). Ora, no caso sub judice , está demonstrada a verificação deste requisito, nas duas dimensões que ele com- porta: (i) cada um dos quesitos referendários está formulado em termos que permitem aos cidadãos terem a consciência de que estão a fazer uma escolha com base numa clara alternativa (dilematicidade); (ii) e também cada um deles está formulado em termos binários, de forma a possibilitar uma resposta positiva ou negativa (bipolaridade). Ambos os quesitos, singularmente considerados, estão formulados através de uma interrogação que começa pelo verbo «concorda(r)», o que vai implicar uma escolha entre a admissão ou a proibição da adoção por casais ou unidos de facto do mesmo sexo; e estão formulados para que os cidadãos possam responder, com precisão e simplicidade, por um sim ou por um não. Sendo quesitos simples, e que contêm uma única proposição, que não se apresentam como soluções alternativas um do outro, é natural que a resposta possa ser singela, isto é, exprimir-se por um sim ou por um não. Relativamente ao conteúdo das perguntas poderia aventar-se outras questões do regime da adoção, como a opção entre a adoção plena ou restrita, o maior ou menor relevo do biologismo na constituição do vínculo da filiação, ou até questões como a procriação medicamente assistida ou a maternidade de substitui- ção. Mas tal omissão não retira às perguntas referendárias o caráter dilemático. Como se referiu no Acórdão n.º 617/06, a propósito da interrupção voluntária da gravidez, «os eleitores deverão decidir, em face da única opção que lhes é proposta, se a consideram aceitável ou rejeitável, mesmo que preferissem outras opções (que não estão em causa). São confrontados apenas com um e não com todos os dilemas, devendo os dilemas que não estão em causa ser por eles ponderados e resolvidos numa perspetiva pessoal, de consciência ou de opção política, para efeito de resposta à (única) questão suscitada. Os dilemas morais, políticos e jurídicos sobre as condições preferíveis de despenalização situamse a montante do que é expresso na pergunta, a qual revela que o legislador apenas pretende averiguar a opção dos eleitores quanto a uma certa solução». 15. Este aspeto prende-se com a exigência feita nas normas do n.º 6 do artigo 115.º da CRP e do n.º 2 do artigo 6.º da LORR, de que as questões a submeter a sufrágio sejam formuladas com «objetividade, cla- reza e precisão». As exigências de objetividade, clareza e precisão, que se conjugam entre si, não só têm que ser aferidas relativamente a cada uma das perguntas referendárias, como também ao conjunto dessas perguntas, expres- sando a coerência entre elas que deriva do próprio princípio lógico da proibição de contradição. 15.1. Do ponto de vista linguístico, não se pode dizer que os operadores de linguagem explicitados em cada uma das perguntas referendárias padecem de ambiguidade, imprecisão ou de variação semântica, em termos de não serem compreendidos pelo cidadão comum. Pese embora as expressões verbais utilizadas tenham um sentido técnico-jurídico, não deixam de ser expressões correntes que garantem condições de percetibilidade ao eleitor médio. A formulação discursiva dos quesitos referendários permite que o signifi- cado dos termos adotados («cônjuge», «união de facto», «adoção», «mesmo sexo», «filho do seu cônjuge») sejam facilmente esclarecidos e entendidos no próprio contexto narrativo, não se podendo dizer que lhe falta conteúdo semântico. Por conseguinte, não é pela construção sintática e lexical de cada uma das perguntas referendárias que o referendo está em desconformidade com o princípio da inteligibilidade ou compreensibilidade e clareza. Aquelas expressões, que compõem as respetivas orações, não estão desfasadas do significado que lhes é dado pelo uso corrente e, por isso, não há o perigo de que a vontade dos cidadãos possa ser falseada pela errónea representação dos enunciados das perguntas.
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