TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

311 acórdão n.º 67/14 Ora, este regime nada tem de incerteza nem gera insegurança no comércio jurídico, pois que, observados que sejam os ditames legais, o autor tem a garantia de que a interrupção da prescrição ocorrerá, no máximo, ao quinto dia após ter sido requerida. Porém, no caso dos autos, a prescrição ocorreu, como decorre da decisão recorrida, por facto imputável ao autor, pois, apesar de ter requerido a citação prévia, não o fez com a antecedência devida, e devia ter previsto que, se a citação, por qualquer motivo – incluindo eventual negligência dos serviços do Tribunal (o que não sucedeu) – se frustrasse, ele ficaria completamente desarmado face a uma exceção de prescrição.(…)» 6.6. No caso agora em análise, sendo embora diferente a dimensão normativa do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil que importa apreciar, é mais uma vez à luz dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança que é suscitado o problema da sua compatibilidade com a Constituição. Na situação em apreciação, a interpretação normativa a sindicar consiste na manutenção do efeito interruptivo da prescrição previsto naquele preceito legal no caso de o executado apenas ser citado para a execução mais de vinte anos após a ocorrência dos factos que, no entender da recorrente viola os princípios da segurança e da confiança jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição. Apesar do objeto do recurso incidir sobre uma diferente dimensão normativa do preceito do que a apreciada no Acórdão n.º 339/03, chegar-se-á a conclusão semelhante à aí alcançada. 6.7. É comum associar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, vendo naquele o lado objetivo e neste, o lado subjetivo da garantia geral da segurança jurídica inerente ao Estado de direito. Apesar de a Constituição não enunciar expressamente um princípio da segurança jurídica e da prote- ção da confiança, ele não deixa de ser reconhecido como um «princípio essencial na Constituição material do Estado de direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade, autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida» (Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, p. 261.) Sendo dedutível do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), o princí- pio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: «o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às deci- sões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p. 250). Enquanto garantia objetiva, este princípio vincula todas as áreas de atuação do Estado. 6.8. No que respeita aos atos normativos, o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança desdobra-se nos subprincípios da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, da proibição de pré- -efeitos e da proibição de normas retroativas. Por sua vez, as refrações mais relevantes do princípio da segu- rança jurídica e da proteção da confiança nas funções judicial e administrativa traduzem-se, respetivamente, na inalterabilidade do caso julgado e na tendencial estabilidade dos casos decididos.  Ora, nenhuma destas vertentes do princípio é posta em crise pela norma em apreciação. Excluindo, desde logo, a atividade administrativa – que não está em causa nos autos – o certo é que não se verificou nenhuma alteração legislativa no preceito legal que acomoda a norma em apreciação desde a celebração do contrato dado à execução. 6.9. De resto, a norma em apreço insere-se num conjunto de normas legais que visam precisamente garantir a segurança nas relações jurídicas, como acima se começou por sublinhar (ponto 6.3.). Não é por acaso que o Código Civil inaugura a matéria da prescrição com a imposição da inderrogabilidade do regime ali definido (artigo 300.º do CC). Qualquer alteração das regras da prescrição implica forçosamente o sacri- fício de um dos dois interesses em confronto. Novas regras que facilitem o funcionamento da prescrição,

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