TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
31 acórdão n.º 176/14 Ainda que se autonomize conceptualmente coadoção de adoção conjunta, não se pode dizer que a matéria de que trata cada um dos quesitos não tem relação entre si. Tal como foram expressos, há um nexo substancial que os une: quando perspetivados pelo lado dos adotantes, ambos os quesitos integram questões relativas à capacidade de adoção por membros de casais ou unidos de facto do mesmo sexo; quando vistos pelo lado dos adotandos, em ambos se questiona se o adotando, do ponto de vista da filiação, pode ter duas mães ou dois pais. Com efeito, ao questionar-se na primeira pergunta se o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo pode adotar o filho do seu cônjuge ou unido de facto, sendo ele um filho adotivo, está-se simultaneamente a ques- tionar se os dois membros do casal podem, contemporaneamente, estabelecer uma relação de parentalidade com a criança, precisamente aquilo que se questiona na segunda pergunta. A primeira pergunta, apesar de referida a um dos cônjuges ou unidos de facto, funda-se no pressuposto de que é um casal do mesmo sexo que vai partilhar a parentalidade, aceitando-se uma dupla maternidade ou uma dupla paternidade. Como se vê, num e noutro quesito a questão formalmente colocada não deixará, nesta perspetiva, de ter o mesmo con- teúdo representativo: estabelecimento, através da adoção, de relações de parentalidade por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto. Neste contexto, pode dizer-se que as perguntas formuladas proveem, nas palavras de Gomes Canotilho, de uma “matriz racionalmente unitária” (cfr. Anotação aos Acórdãos do Tri- bunal Constitucional n.º 298/88 e n.º 531/98, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 131.º, n. os 3894 a 3896, p. 348), que se consubstancia na eliminação das restrições à criação de relações de parentali- dade através da adoção por casais do mesmo sexo. Não obstante a inserção no campo mais vasto da capacidade para adotar, os quesitos são perfeitamente distintos e autónomos entre si, em função de fatores factuais e jurídicos que podem comprometer a existên- cia da referida homogeneidade. O referendo formula em simultâneo duas questões diferentes, uma relativa à coadoção e outra à adoção conjunta, as quais se reportam a situações e interesses diversificados, seja pelo lado dos adotantes seja pelo lado dos adotandoss, o que pode afetar a capacidade de decisão dos cidadãos eleitores. Ora, como melhor se verá, é justamente a menor consciencialização dessa autonomia valorativa, decorrente da junção das duas perguntas, que pode gerar dúvidas sobre o sentido da vontade dos eleitores. Embora assentes numa matriz racionalmente unitária, isso não significa, evidentemente, que as pergun- tas referendárias se traduzam em proposições que deem garantia de que o resultado do referendo exprimirá fielmente a vontade livremente expressa pelos cidadãos eleitores. Como refere Maria Benedita Urbano, o objetivo da liberdade de voto, que pressupõe que o sufrágio seja exercido com consciência e de uma forma esclarecida, «será gorado no caso de os eleitores se virem confrontados com uma multiplicidade de quesitos distintos e autónomos, ainda que por vezes referentes a uma mesma matéria» (cfr. ob. cit., p. 203). É que do princípio da homogeneidade resulta apenas que os quesitos referendários devem permitir a todos os cidadãos compreender que a consulta tem por finalidade única a possibilidade de adoção por pessoas do mesmo sexo, exigência que pode estar cumprida pela ratio comum das perguntas. Mas isso não significa que os quesitos tenham sido formalmente colocados em termos de permitir um juízo baseado em perguntas claras e inequívocas, ou que não existam indícios de que a conversão do objeto do referendo em duas questões autónomas entre si possa “arrastar” ou induzir os eleitores para determinada resposta. 14. Sendo certo que a proposta de referendo não comporta mais do que três perguntas e que os quesitos referendários não são precedidos de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas, exigências impostas pelos n. os 1 e 3 do artigo 7.º da LORR, há que averiguar se os mesmos foram formuladas de modo a permitir uma resposta em termos de sim ou não. Do princípio da bipolaridade ou dilematicidade da pergunta referendária, imposto no n.º 6 do artigo 115.º da CRP e no n.º 2 do artigo 7.º da LORR, resulta que os quesitos referendários, quando convertidos em perguntas, para serem corretamente formulados, só podem ter como respostas sim ou não. As perguntas referendárias assentam numa lógica «que é necessariamente dilemática, bipolar, ou biná- ria, ou seja: que pressupõe uma definição maioritariamente unívoca da vontade popular, num ou noutro
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