TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
309 acórdão n.º 67/14 6.1. A questão colocada consiste em saber se a interpretação do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil sufragada no aresto recorrido causa uma situação de insegurança jurídica de tal forma que viole os princípios da segurança e da confiança jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição, como a recorrente pretende. 6.2. O artigo 323.º do Código Civil reporta-se à interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito. Depois de o n.º 1 consignar que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, o n.º 2 estabelece a seguinte exceção àquele regime: “se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”. 6.3. A norma em referência integra-se no conjunto de normas que regulam o instituto da prescrição. O Código Civil (CC) ocupa a Secção II do Capítulo III (do Subtítulo III – “Dos factos jurídicos” do Título II – “Das relações jurídicas”) intitulado “O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas”, ao ins- tituto da “Prescrição”. Da análise do respetivo regime ressalta, desde logo, a inderrogabilidade do mesmo (artigos 300.º e 302.º do CC), o que confere natureza imperativa ao instituto. A razão de ser do instituto é tradicionalmente reportada a fundamentos de ordem geral, atinentes à segurança jurídica. «A proibição estabelecida na lei e a solução prescrita para a sua violação (nulidade do negócio) explicam-se pelas razões de interesse e ordem pública (interna) que estão na base do instituto da prescrição, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico» (Pires de Lima/Antu- nes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª edição, I, p. 274). Numa maior aproximação ao instituto, não deverá, todavia, ignorar-se que, no essencial, a prescrição visa tutelar o interesse do devedor. Nesta perspetiva, dir-se-á que a prescrição constitui uma posição privada que é concebida no interesse do devedor. Só a este (ou seu representante) cabe decidir se a quer usar, não podendo o tribunal suprir, de ofício, a sua não invocação (artigo 303.º do CC). Trata-se, assim, de um direito potestativo, originado no decurso de um determinado prazo (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Almedina 2005, p. 165). No lado oposto, temos o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito. Daí que, na generalidade dos casos, a prescrição não chegue a consumar-se, sendo interrompida pela reclamação do direito ou pela satisfação da obrigação. A interrupção da prescrição corresponde, assim, a uma «evidência lógica: de tal forma que, quando não estivesse prevista na lei, ela sempre se imporia». Na verdade, ela «apenas corresponde a uma projeção lin- guística da comum eficácia do direito subjetivo de cuja prescrição se trate», como enfatiza António Menezes Cordeiro ( ob. cit. , pp. 195 e 196). Compreende-se, por conseguinte, que o seu exercício deva obedecer a uma disciplina clara e rigorosa. 6.4. Nos termos regulados no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e mesmo que o tribunal seja incompetente. O que se pretende é assegurar que seja levado ao conhecimento do devedor a intenção de exercer o direito. Essa, a razão da via judicial imposta pelo legislador. A imposição da intermediação da solenidade do ato judicial para interromper a prescrição corresponde à definição de uma disciplina rigorosa que permita a interpretação inequívoca da vontade de exercer o direito. Esta segurança apresenta-se como necessariamente onerosa para o credor. Para assegurar o equilíbrio da solu- ção encontrada, existem, no entanto, outros elementos no regime legal que não devem ser ignorados. Assim, por exemplo, a referência à intenção, direta ou indireta, sufraga a suficiência de uma diligência judicial que afaste a manifestação de desinteresse pela satisfação do direito. A interrupção da prescrição mantém-se mesmo que se verifique anulação da citação ou da notificação (artigo 323.º, n.º 3, do CC).
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