TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

307 acórdão n.º 67/14 – do que teria de resultar por razões de interesse público, de segurança jurídica e de proteção da confiança, a pretensão da recorrente não poderia proceder. J. O sistema jurídico em que se integra o n.º 2 do artigo 323.º do CC, já acautela os princípios da proporciona- lidade, da segurança e da confiança, visando esta norma proteger o credor da morosidade inerente ao recurso à Justiça Pública, que objetivamente causa o retardamento da cobrança dos seus créditos, mas que é correspetiva dos direitos e garantias de defesa que esse mesmo sistema confere aos devedores, constituindo a supra referida norma, por tal, uma garantia essencial dos credores, sem a qual estes, sabedores da inevitável morosidade da Justiça Pública, ante o risco de verificação da prescrição, recorreriam à “justiça privada” para realizar os seus créditos. K. Considerado o sistema jurídico no seu todo, seria desproporcional imputar ao credor as consequências da morosidade ou ineficácia do Estado em citar o devedor, ao invés de ser o devedor a suportar a demora e o risco na efetivação da citação, pelo que a revogação do douto Acórdão recorrido, no sentido pretendido, esvaziaria de conteúdo o artigo 323.º, n.º 2 do CC, e poria em causa o princípio da segurança jurídica, na vertente da proteção da confiança, vertido no artigo 2.º da CRP, termos em que deve, pois, ser o recurso julgado impro- cedente e mantida a douta decisão recorrida.» II – Fundamentação 5. Delimitação do objeto do recurso 5.1. A questão, tal como a recorrente a coloca, reconduz-se à interpretação e aplicação pela decisão recorrida da norma contida no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, no sentido de “o efeito interruptivo da prescrição ali previsto se manter indefinidamente, mesmo numa situação em que o executado apenas tomou conhecimento efetivo do processo de execução fiscal quando foi citado para a reversão, o que ocorreu mais de vinte anos após a verificação dos factos”. No essencial, a recorrente sustenta que a referida interpretação permite que “um devedor possa estar ad aeternum à mercê do seu credor, o que além de desvirtuar por completo o instituto da prescrição, viola ainda flagrantemente os princípios da segurança e confiança jurídica ínsitos no artigo 2.º da CRP” (conclusão L), “uma vez que, os devedores nunca saberiam até quando é que as dívidas lhes poderiam vir a ser exigidas pelos seus credores, podendo as mesmas vir a ser cobradas (…) passados 40 anos, (…) ou até mais, após a data do seu vencimento” (conclusão M), sendo que, deste modo, “(…), a figura da prescrição ficaria reduzida a nada mais do que um instrumento jurídico inútil, trazendo uma ideia de certeza e segurança apenas em tese, já que na prática se admite uma solução que, torna infinito o prazo de prescrição” (conclusão N). Subjacente a este entendimento está a ideia de que “a lei não tutela apenas o interesse do titular do direito que pretenda reclamá-lo em juízo, enquanto autor ou exequente, no sentido de lhe proporcionar as condições e os meios de realizar tal direito, mas também tutela o interesse do réu ou executado, no sentido de não ficar ad aeternum à mercê de um credor inerte e pouco diligente” (conclusão K). 5.2. Importa, todavia, começar por precisar o âmbito do recurso, tendo em conta a questão de consti- tucionalidade colocada e a interpretação da norma mediatizada na decisão recorrida. Com efeito, nos recursos de inconstitucionalidade, a norma objeto de fiscalização não pode deixar de reconduzir-se ao sentido e ao conteúdo que o tribunal recorrido lhe atribui no caso sub judice . O Tribunal Constitucional não pode basear a sua decisão num entendimento da norma objeto de apreciação que se afaste do caso, não lhe cabendo, em sede de fiscalização concreta, apreciar a questão da constitucionalidade em abstrato, mas apenas em via de recurso e, por conseguinte, no quadro da decisão recorrida. O recurso visa precisamente revogar ou confirmar a solução dada à questão de constitucionalidade pela decisão recorrida e, por isso, não pode afastar-se da delimitação normativa da mesma resultante. É o que decorre do modelo

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