TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

306 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da segurança e da confiança jurídica, subjacentes ao Estado de Direito Democrático e consagrados no artigo 2.º da CRP, propugna que “para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas ou fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feitos planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.” D. É impossível sustentar que a primeira das condições acima elencadas se encontre preenchida, pois é manifesto que a requerente não poderia contar com a interrupção do prazo de prescrição nos termos em que postula, dado que, quer na data em que a recorrente prestou fiança no empréstimo em causa, em 1983, quer na data da instauração da execução contra si, em 1987, quer nos dias de hoje, o regime da prescrição constante do Código Civil é, precisamente, o mesmo que vigora desde a publicação deste diploma, em 1966, pelo que a recorrente podia e devia contar com a existência de uma eventual causa de interrupção do decurso do prazo prescricional nos precisos termos em que a mesma se verificou nos autos. E. Seja o n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, seja a interpretação que dele faz a jurisprudência unânime do STJ e do STA, não permitem dúvidas quanto ao facto de que o prazo de prescrição que esteja a correr se interrompe logo que decorram cinco dias sobre a instauração de ação contra o devedor, por mero efeito dessa promoção, sendo irrelevante, depois, para efeitos da prescrição, que a citação venha ou não a efetuar-se, dado que o cre- dor, ao instaurar a ação contra determinada pessoa pratica um comportamento oposto à inércia intencional ou negligente que justifica eticamente a existência da prescrição. F. O legislador, por entender que tal conduta do credor é adequada e é suficiente ao visado efeito interruptivo da prescrição, determinou, justamente em nome da certeza e segurança jurídicas, que a mesma produza os efeitos típicos da citação quando, por razões que não são imputáveis ao credor, o órgão encarregado da citação não a concretiza em prazo razoável, que a lei estipulou ser de cinco dias, fazendo, assim, “recair sobre o devedor, a demora na efetivação da citação (ou notificação), desde que tal demora não seja imputada ao credor exe- quente”. G. Considerada a constância do regime prescricional do Código Civil, inalterado desde a sua publicação, e a interpretação unânime que dele é feita pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, resulta evidente que os princípios da segurança e da confiança jurídica se mostrariam violados, caso fosse dado provimento ao presente recurso, ou seja, precisamente o oposto do que postula a recorrente, pois foi em relação à Recorrida que o Estado, no exercício dos poderes legislativo e judicial, adotou “comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade”, expectativas essas “legítimas, justificadas ou fundadas em boas razões” – que são aquelas que presidiram à definição, clara e pacífica, do regime da interrupção da prescrição. H. É, por tal, a pretensão da recorrente, segundo a qual a interrupção da prescrição deverá estar, ela também, sujeita a um prazo prescricional, por ser, claramente, contra legem, que viola essa confiança que “o Estado (mormente o legislador)” criou na B.: a de que, tendo esta requerido, nos precisos termos que a Lei lhe exigia, a citação da aqui requerida para a execução sub judice , tal ação era a necessária e suficiente para interromper o decurso do prazo de prescrição, independentemente do tempo que viesse a decorrer até essa citação se con- cretizar, desse modo violando as “legítimas e justificadas” expectativas da B. a tal respeito as quais se achavam (e acham) “fundadas em boas razões”, violação, esta “inadmissível” por constituir “uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar.” I. Ainda que, ad absurdum , pudesse assistir à recorrente alguma expectativa merecedora de tutela – que em última análise radicaria no desconhecimento, por esta, das razões legais da interrupção do prazo de prescrição, e/ou da morosidade dos órgãos executivos – aquela teria de ser sopesada, em obediência ao princípio da proporcio- nalidade, com a inequívoca expectativa oposta da Recorrida B. – baseada na letra inequívoca da Lei, em juris- prudência unânime, e na legítima presunção de que o órgão executivo procederá à citação num prazo razoável

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=