TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

305 acórdão n.º 67/14 H. Pois, se por um lado o credor deve ser protegido face à morosidade da justiça em realizar os atos suscetíveis de interromper a prescrição, por outro lado, não se pode pretender imputar ao devedor as consequências da sua falta de citação tempestiva. I. Principalmente, quando desde a data em que a citação foi requerida até à sua efetivação passaram mais de vinte anos e durante todos estes anos, a B., S. A., foi de uma passividade e incúria gritantes – a sua conduta não poderá, por isso, deixar de ser considerada negligente – pois, ao longo destes anos todos, nada fez ou promoveu no sentido de obter a efetiva citação da ora recorrente. J. O facto de a B. S. A., durante mais de vinte anos não se ter preocupado minimamente com o andamento do processo, faz com que ela deixe de merecer qualquer tutela jurídica relativamente à cobrança do seu crédito, passando a proteger-se a legítima expectativa do devedor, a ora recorrente, a qual confiou que, vinte anos após o vencimento da dívida, sem que tivesse conhecimento de qualquer causa interruptiva, bem como da intenção da credora em cobrar-lhe a dívida, a mesma pudesse ser exigível. K. A lei não tutela apenas o interesse do titular do direito que pretenda reclamá-lo em juízo, enquanto autor ou exequente, no sentido de lhe proporcionar as condições e os meios de realizar tal direito, mas também tutela o interesse do réu ou executado, no sentido de não ficar ad aeternum mercê de um credor inerte e pouco dili- gente. L. Ora, ao admitir-se a interpretação do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil aventada pelo TCAS é permitir que um devedor possa estar ad aeternum à mercê do seu credor, o que além de desvirtuar por completo o instituto da prescrição, viola ainda flagrantemente os princípios da segurança e da confiança jurídica ínsitos no artigo 2.º da CRP. M. Uma vez que, os devedores nunca saberiam até quando é que as dívidas lhes poderiam vir a ser exigidas pelos seus credores, podendo as mesmas virem a ser cobradas, à luz da interpretação acolhida pelo TCAS, passados 40 anos, 60 anos ou até mais, após a data do seu vencimento, situação esta inadmissível num Estado de direito democrático. N. No fundo, com a manutenção do Acórdão recorrido e sua interpretação das normas sobre a interrupção da prescrição, a figura da prescrição ficaria reduzida a nada mais do que um instrumento jurídico inútil, trazendo uma ideia de certeza e segurança apenas em tese, já que na prática se admite uma solução que, torna infinito o prazo de prescrição. O. O que é manifestamente inconstitucional por violar e contrariar abertamente o que impõe a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 2.º» 4. Por sua vez, a recorrida apresentou as seguintes conclusões (fls. 397-401): “(…) A. Está excluída do âmbito do presente recurso a apreciação de factos que não estejam expressamente vertidos na decisão sobre a matéria de facto que substanciou a decisão judicial recorrida. Assim, é ilícita a alegação pela recorrente, de “factos” inexistentes e/ou falsos, através dos quais imputa à B., de modo espúrio, uma suposta “conduta processual negligente”, factos esses não alegados nem provados nos autos e/ou revogados pelo acór- dão recorrido, e, tendo tais factos o propósito, confessado, de influenciar a decisão do presente recurso, têm essa virtualidade, pelo que devem os mesmos, e as conclusões deles extraídas, ser dados por não escritos. B. Ademais, não só não consta dos autos qualquer facto que prove “incúria” da B. na cobrança do seu crédito, sus- cetível de gerar uma expectativa na recorrente que mereça ser tutelada; como, ao invés, os autos atestam que a B. agiu do modo que lhe era exigível para recuperar o seu crédito, designadamente requerendo, reiteradamente, que se procedesse à penhora e venda de um imóvel que pertence à recorrente em conjunto com o seu marido, C., o qual foi citado para a execução em 1993, e apresentou, em 24 de outubro de 1993, oposição à mesma, contestada pela B., e que veio a ser julgada improcedente, apenas, em 22 de outubro de 1996. C. O modo como a recorrente interpreta o princípio da tutela da confiança é totalmente ab-rogante desse prin- cípio. Com efeito, a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional acerca da aplicação dos princípios

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