TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Embora se possa questionar se é admissível a cumulação, numa mesma data, de vários referendos, formal e substancialmente autonomizados (cfr. em sentido afirmativo, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , Coimbra Editora, Tomo VII, p. 312 e Vitalino Canas, Referendo Nacional – Introdução e Regime, Lex, 1998, p. 14) ou se tal possibilidade põe em causa os propósitos do princípio da homogeneidade da matéria (M. Benedita M. Pires Urbano, ob. cit., p. 201, nota 383), o que se exige é que «cada referendo» tenha por objeto a mesma matéria, uma só substância, idêntica no seu todo, e não uma pluralidade de assun- tos suscetível de vulnerar a liberdade de escolha e a capacidade de decisão dos cidadãos eleitores. Apesar do princípio da homogeneidade e unicidade da matéria se reportar ao objeto do referendo, e não propriamente às perguntas, «face à possibilidade prevista expressamente na Constituição e na lei de numa mesma consulta referendária haver mais do que uma pergunta» (Acórdão n.º 704/04), a verdade é que o princípio assume maior relevância na formulação dos quesitos referendários que irão ser plasmados nos boletins de voto, uma vez que se devem inserir necessariamente no campo material definido pela decisão referendária. A Resolução n.º 6-A/2014 delimita o objeto do referendo à «possibilidade de coadoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto», e em conformidade substancial com esse objeto, formula dois quesitos, o primeiro sobre a coadoção e o segundo sobre a adoção conjunta. É evidente que, no âmbito do instituto da adoção, coadoção e adoção conjunta são conceitos distintos. A lei civil faz a distinção entre adoção conjunta e adoção singular, conforme for feita por um casal (por duas pessoas casadas ou que vivam em união de facto) ou por uma só pessoa, casada ou não casada (cfr. artigo 1979.º). Mas a definição de coadoção não resulta da lei, até porque se exclui a possibilidade de em relação ao mesmo adotado coexistirem duas relações de paternidade ou maternidade adotiva (artigo 1975.º). Apenas se permite que um casado ou unido de facto de sexo diferente possa adotar (adoção singular) o filho biológico ou adotivo do seu cônjuge (n. os 2 e 5 do artigo 1979.º). Em rigor, coadoção parece ser um conceito inade- quado para significar, quer a adoção do filho biológico do cônjuge ou unido de facto, quer a adoção do seu filho adotivo, pois se este já foi adotado, o melhor termo para representar tal realidade parece ser a adoção sucessiva. Todavia, a categoria que, no plano abstrato e formal, é objeto de referendo consiste na adoção que envolva o estabelecimento de relações de parentalidade em relação a casais do mesmo sexo. A atual legis- lação não reconhece a capacidade para a adoção conjunta a casais do mesmo sexo, bem como igualmente não autoriza que, num casamento ou numa união de facto do mesmo sexo, um cônjuge ou companheiro adote os filhos biológicos ou adotivos do outro. Para apurar a vontade dos eleitores quanto à eventual elimi- nação dessas restrições à capacidade de adotar, com fundamento em que as mesmas podem constituir uma discriminação relativamente aos casais heterossexuais, mobiliza-se o instrumento do referendo para que os cidadãos possam emitir a sua opinião sobre esse assunto, o que constitui uma manifestação da democracia semidireta tendente a ultrapassar eventuais impasses políticos na eliminação daquelas restrições. O facto de o referendo abarcar dois modos de constituir a relação jurídica de adoção – a coadoção e a adoção conjunta – aparentemente não retirará homogeneidade e unidade ao seu objeto, pois, apesar dessa distinção, a questão de relevante interesse nacional que se pretende ver debatida e votada pelos cidadãos é a possibilidade (ou não) dos casais ou unidos de facto, do mesmo sexo, constituírem relações de parentalidade através da adoção, singular ou conjunta. Tal como as perguntas estão formuladas, o principal interesse que move o referendo é a possibilidade de através da adoção pelos membros de uniões familiares de duas pessoas do mesmo sexo uma criança estabelecer relações de parentalidade com ambos os membros do casal. A posição em que se encontram os adotandos, ou seja, se são filhos biológicos ou adotivos do outro cônjuge, se a filiação decorreu da procriação por ato sexual ou de procriação medicamente assistida, se já estão inseridos em família cujos pais ou mães são do mesmo ou de diferente sexo, ou mesmo se estão insti- tucionalizados, não está formulada de modo expresso como elemento essencial da questão que se pretende submeter a consulta referendária.

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