TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
29 acórdão n.º 176/14 12. Os artigos 115.º, n.º 4, da CRP e 3.º, n.º 1, da LORR estabelecem taxativamente limites materiais negativos ao objeto do referendo, excluindo do seu âmbito: (i) as alterações à Constituição; (ii) as questões e os atos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro; (iii) as matérias previstas no artigo 161.º da Cons- tituição; (iv) e as matérias previstas no artigo 164.º da Constituição, com exceção do disposto na alínea i) . Estas reservas parlamentares da competência exclusiva da Assembleia da República, para além de acen- tuarem a prevalência do sistema representativo, visam sobretudo evitar que a consulta referendária se trans- forme em «instrumento demagógico no âmbito de questões de especial sensibilidade e de fácil manipulação da opinião pública» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 104). A presente proposta de referendo respeita esses limites materiais, pois a matéria em causa não reveste conteúdo orçamental, tributário ou financeiro, nem se enquadra na reserva absoluta de competência da Assembleia da República, integrando, como se disse, a reserva relativa. O objeto do presente referendo também não se integra no elenco das matérias previstas no artigo 161.º, uma vez que, de entre as aí mencionadas, «apenas poderia ser abrangida pela alínea c) , onde se atribui à Assembleia da República competência para «fazer leis sobre todas as matérias», a verdade é que a referên- cia à exclusão das matérias do artigo 161.º não pode obviamente aplicarse em tal caso, pois que, então, se entraria em contradição com o n.º 1 e o n.º 3 do artigo 115.º, porque nenhuma matéria que devesse ser tratada por via legislativa – salvo se da reserva do Governo – poderia ser o objeto do referendo» (cfr. Acórdão n.º 288/98). E, finalmente, a presente proposta de referendo não visa alterar a Constituição, já que a legislação a aprovar na sequência do referendo não pretende assumir valor constitucional. 13. O modelo referendário consagrado na Constituição impõe que «cada referendo recairá sobre uma só matéria» (cfr. n.º 6 do artigo 115.º da CRP, reproduzido no artigo 6.º da LORR). Nesta norma consagra-se o princípio da homogeneidade e unidade da matéria a referendar, uma condi- ção indispensável para assegurar a genuinidade democrática do referendo. O objeto da decisão referendária, especificado através da formulação de perguntas, tem que possibilitar aos cidadãos uma escolha livre e escla- recida, sem quaisquer constrangimentos que afetem a sua capacidade de decisão. A melhor forma de impedir manobras persuasivas indutoras de votações em determinado sentido e de assegurar que os cidadãos fiquem em condição de perceber as perguntas e de se decidir conscientemente pelo sim ou pelo não consiste em não misturar no mesmo referendo matérias sem qualquer relação entre si. O “caráter monotemático” do referendo tem pois por objetivo evitar «confusões quer quanto ao próprio objeto da consulta (se uma mesma consulta versasse sobre várias matérias, isso poderia sem dúvida ocasionar uma imperfeita compreensão do que está em causa) e, ainda, confusões quanto às próprias respostas dos cidadãos eleitores (pois eles poderão não conseguir dissociar completamente as várias perguntas que lhes são colocadas num mesmo boletim de voto e que foram previamente explicadas numa mesma campanha referendária, sendo que a resposta a uma delas – porventura àquela em que estão mais seguros, mais escla- recidos ou mais motivados para responder – poderá influenciar a resposta às outras, de tal maneira que, se cada pergunta tivesse sido apresentada isoladamente, as respostas seriam outras)» (cfr. M. Benedita M. Pires Urbano ( ob. cit., pp. 201 e segs.). A fórmula constitucional «cada referendo recairá sobre uma só matéria» tem levantado algumas dúvidas quanto ao seu exato sentido e alcance. Há quem defenda, com recurso aos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1989 – que introduziu o referendo nacional – que a única razão daquele segmento nor- mativo é impedir a realização em simultâneo de vários referendos sobre distintos objetos (cfr. Luís Barbosa Rodrigues, O Referendo Português A Nível Nacional, Coimbra Editora, p. 225). Para outros, a ratio do n.º 6 do artigo 115.º da CRP não prejudica «a virtual verificação de vários referendos simultâneos, cada um com o seu objeto delimitado, com a possibilidade de resposta autonomizada a cada um deles e com boletins de voto inde- pendentes entre si» (cfr. Fernando Paulo da Silva Suordem, Legislação do Referendo Anotada , Almedina, p. 52).
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